terça-feira, 18 de março de 2014

Voto distrital enfrenta resistência de discussão


Um dos pontos polêmicos sobre a reforma política, o voto distrital altera significativamente a maneira de votar do brasileiro. A proposta – já adotada em outros países – rompe com o sistema proporcional e divide o País em territórios. Cientistas políticos do Ceará apontam aspectos como barateamento das campanhas eleitorais e aproximação do eleitor com o parlamento, mas ponderam que não há vontade política para discutir o tema.
Existem pelo menos duas opções de voto distrital: o puro e o misto. “O voto distrital misto é assim chamado porque os eleitores tanto votam em candidatos de seu próprio distrito como em candidatos de uma lista elaborada pelos partidos para representantes para todo o país”, diferencia a cientista política Marinina Benevides, professora da Universidade de Fortaleza.
A especialista ressalta que o impacto imediato para alterar o sistema de votações seria a divisão do território brasileiro em distritos eleitorais. “Isso tem aberto um grande debate acerca de como será a definição espacial dos distritos em relação à divisão política”. E pondera: “Temos pequenas áreas concentrando uma grande densidade populacional e outras com baixa densidade, o que traz complicações para pensar a divisão”.
Marinina Benevides aponta que a campanha eleitoral também seria mais barata “porque o candidato faria a campanha em seu próprio distrito e os eleitores poderiam acompanhar as ações e atuação do seu candidato”. “Há ainda a questão do fortalecimento da memória eleitoral, considerando, por exemplo, que no Brasil raramente o eleitor sabe para quem seu voto foi computado ou em quem votou na eleição anterior”, acrescenta.
Já no tocante aos argumentos que se posicionam contra o voto distrital, são citadas a distorção e redução de escolhas partidárias. “Podemos ter um pequeno número de eleitores votando em determinado partido e tendo candidatos eleitos em diversos distritos, do mesmo modo que os partidos que não obtiverem êxito nas eleições distritais podem ocupar um grande número de assentos no parlamento”, analisa Marinina.
Para a professora, o clientelismo é visto como aspecto negativo do sistema de voto distrital, porque a renovação dos representantes pode ser dificultada. “O fortalecimento da relação entre representante e representado pode ser visto como um problema, considerando que os eleitos tenderiam a atuar em defesa do local, esquecendo de defender o interesse nacional”, expõe.
Maioria simples
A acadêmica cita países que já adotam o modelo de voto distrital. Nos Estados Unidos, o sistema é o puro. Já o Reino Unido adota o voto distrital por maioria simples, enquanto a França reconhece o distrital puro por maioria absoluta em dois turnos. No Japão, o voto distrital prevalece sobre o partidário, de modo que se efetiva um sistema majoritário misto.
A Alemanha adota o sistema de representação misto proporcional, em que a cada eleição varia o número de parlamentares. “Deste modo, um partido que não teve candidatos eleitos pelo voto distrital, mas recebeu votos na lista partidária pode ocupar no parlamento o número de cadeiras equivalentes ao percentual de votos obtidos na referida lista”, detalha Benevides.
O cientista político Rui Martinho, da Universidade Federal do Ceará, destaca que o sistema proporcional adotado no Brasil proporciona uma espécie de voto indireto, já que os “puxadores de voto” elegem candidatos com votação inexpressiva da coligação. O episódio ocorreu em 2010 com o deputado federal Tiririca (PR), em São Paulo, que obteve 1,3 milhão de votos.
Em nível local, o vereador de Fortaleza Capitão Wagner (do mesmo partido de Tiririca) conquistou mais de 43 mil votos, enquanto o então colega de legenda Márcio Cruz (que depois foi para o PROS) foi eleito com pouco mais de três mil sufrágios. “O eleitor não sabe quem está elegendo. Vota em alguém muito votado e elege outros parlamentares”, enfatiza.
Paraquedista
Martinho alerta que o voto distrital deve exigir que os candidatos residam no município ou território eleitoral para o qual postulem um cargo, acabando com a sobra de votos que elege indiretamente alguns pleiteantes. “Evitaria o fenômeno do paraquedista, que a comunidade não sabe quem é, mas compra votos e cabos eleitorais”. E opina: “As pessoas vão saber quem são seus deputados e ampliará a cobrança aos parlamentares. A relação entre o representante e o representado se torna mais forte”.
O especialista reconhece que o voto distrital pode “esmagar” partidos pequenos, mas justifica que a “sobrevivência de uma minoria não precisa ser imediata”. Ele rebate o argumento de que, com o voto distrital, a representação seria provinciana, já que os parlamentares só se preocupariam com as demandas do próprio distrito, além de extinguir representações temáticas, como a ala da educação e saúde.
“As bancadas temáticas são muito fortes. Eu acho isso problemático porque os partidos se tornam fracos. Como as pessoas não se sentem representadas pelo partido, os deputados se agrupam em bancadas. O parlamentar tem que se preocupar com todos os problemas do distrito”.
Para o cientista político, por ser ano eleitoral, a época é propícia para discutir os principais pontos da reforma política. Porém, é pessimista sobre a vontade política dos congressistas. “Quem aprovaria isso? Quem está no Congresso se elegeu por voto proporcional”, pontua.
Diário do Nordeste

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