terça-feira, 27 de janeiro de 2015

Ceará registra 11 denúncias de abusos e maus-tratos por dia

O caso da mãe que mantinha os dois filhos, de 4 e 7 anos, trancados em casa no bairro Coaçu, no Eusébio, ganhou repercussão após a prisão em flagrante da suspeita na madrugada de ontem. Acusada por testemunhas de castigar os filhos com um chicote, a notícia causou revolta nas redes sociais. Contudo, o ocorrido é apenas mais entre muitos que se repetem diariamente no Estado. De acordo com o Disque 100, foram 4.080 denúncias registradas contra crianças e adolescentes em 2014, número que representa mais de 11 violações por dia.
Em uma única denúncia, podem ser identificados mais de um tipo de violação. Assim, foram 8.359 registros, no período, a maioria por negligência (3.074), que inclui abandono, negar alimentação, higiene, saúde e amparo, entre outras situações. Os outros casos mais comuns foram violência psicológica (2.097), física (1.933) e sexual (894). Na ocorrência de ontem, a mãe foi indiciada por maus-tratos, abandono de incapaz e lesão corporal.
Apesar do dado alarmante, as denúncias tiveram uma redução de 33,21% em relação a 2013, que teve 6.109 registros. Entre 2012 e 2013, também houve uma diminuição de 11,71%. O local mais recorrente das violações é a casa da vítima (2.231), seguido pela residência do suspeito (971).
A exemplo caso de ontem, chama a atenção que a mãe das crianças e adolescentes esteja envolvida em quase metade das violações, com 4.012 registros no Ceará. Na sequência, os pais são o segundo grupo mais denunciado (1.773). A faixa etária da maioria dos agressores está entre os 25 e 30 anos (1.193). A situação é proporcionalmente semelhante em todo o País.
As crianças resgatadas pela Polícia Militar foram encaminhadas para o Conselho Tutelar do Eusébio e entregues a familiares ainda na manhã de ontem. "As tias e a avó receberam os garotos e assinaram um termo se responsabilizando por elas", disse a conselheira Anastácia Vieira. De acordo com ela, o menino e a menina estavam fisicamente bem, sem hematomas.
Os danos para os jovens, entretanto, são psicológicos. "Eles ficavam trancados em casa, enquanto a mãe ia se divertir. Agora, eles vão ser acompanhados por psicológicos do Creas (Centro de Referência Especializado da Assistência Social)", informou a conselheira. Ela afirmou, ainda, que a família das crianças já estava empenhada em ficar com elas. "Não cuidavam porque a mãe não deixava", diz.
Abandono
Segundo Capitão Giorgio Gonçalves, da Polícia Militar, as crianças foram encontradas num "estado deplorável" de fome e abandono. Ao chegar à casa onde viviam, os policiais flagraram o menino brincando com o chicote que, de acordo com o relato de testemunhas à PM, a mãe utilizava para espancar os filhos, inclusive, quando eles diziam estar com fome. Os irmãos, entretanto, disseram à conselheira tutelar que não sofriam agressões físicas da mãe. A acusada foi levada à Delegacia de Capturas (Decap).
O Disque Direitos Humanos, conhecido como Disque 100, é um serviço mantido pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República (SDH/PR). Criado em 2011, funciona 24 horas por dia, sete dias por semana. As ligações podem ser feitas a partir de telefone fixo ou celular, de qualquer estado do País e o anonimato é garantido. As denúncias recebidas são encaminhadas às autoridades locais.
Ivana Timbó, titular da Delegacia de Combate à Exploração da Criança e do Adolescente (Dceca), comenta que a questão é a forte temática do órgão. "Recebemos muitas denúncias de crianças e adolescentes que são maltratados pela mãe, pelo pai ou negligenciadas pelo padrasto ou madrasta. Geralmente, a violência acontece dentro de casa, praticada pela própria família".
A titular da Dceca acrescenta que crimes contra a dignidade sexual e os praticados quando a criança e o adolescente estão sob poder familiar, a exemplo de maus-tratos e abandono de incapaz, são os mais recorrentes. De acordo com dados da Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS), 1.267 crimes sexuais contra crianças e adolescentes foram registrados, no ano passado, no Ceará - uma média de mais de três crimes por dia.
Com 996 casos, estupro de estupro de vulnerável lidera o ranking (78,6%), seguido de estupro (18,7%) e exploração sexual (2,6%). Já os crimes de periclitação - que englobam abandono de incapaz, abandono de recém-nascido, omissão de socorros, maus tratos, perigo de contágio de doença venérea, perigo de contágio de moléstia grave e o perigo para a vida ou saúde do outro - foram, ao todo, 250 no ano passado. Ontem, mais um caso de violência foi registrado na Capital. O corpo de um menino de 12 anos foi encontrado em um matagal na Rua Conselheiro Araújo Lima, no bairro Henrique Jorge. Para a Polícia Militar, o adolescente foi morto a pauladas e pedradas. Porém, ainda não se sabe o que teria motivado o crime.
Funcionamento
Apesar dos altos índices, existe apenas uma Dceca no Estado. Para agravar a situação, a unidade funciona somente de segunda a sexta-feira, de 8h às 18h, quando maior parte dos crimes ocorrem à noite e nos fins de semana. Apesar de reconhecer que a quantidade é insuficiente, a titular da Dceca enfatiza a luta e diz que trabalha diuturnamente para tentar dar conta da demanda. Na sexta-feira à noite e aos sábados e domingos, as ocorrências da Dceca são atendidas na Delegacia da Mulher.
Em nota, a Polícia Civil esclarece que existe um projeto em desenvolvimento para ampliar os trabalhos da Dceca. "Com o ingresso de novos servidores, através do concurso público em andamento, será possível aumentar os plantões da especializada em conjunto com a Delegacia da Criança e do Adolescente", frisa. O órgão destaca que qualquer delegacia plantonista pode receber ocorrências pertinentes à especializada, transferindo-as, em seguida.

Mais informações

Para denunciar:
Disque 100
Dceca
3101.2044

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