segunda-feira, 31 de dezembro de 2007

Modelos Estatísticos para ajudar os profetas da seca

Todos os anos o agricultor nordestino faz a mesma pergunta: "Será que este ano teremos inverno?". Essa incerteza é natural diante das variações climáticas que sofre a região, a qual está situada em uma área próxima ao equador e por isso está sujeita a vários fenômenos inesperados tais como o El Nino e pressões atmosféricas, correntes marinhas, etc. Todos esses fatores dificultam as previsões dos institutos meteorológicos que não são claros. Segundo muitos dos agricultores do sertão os institutos não são úteis pra eles, pois as previsões são obscuras. Essa má impressão dos agricultores talvez se deva à linguagem (demasiadamente científica) com que os institutos publicam seus prognósticos. Totalmente independente dos institutos, existe no sertão, a figura do Profeta da Seca, que geralmente é um agricultor simples (muitas vezes iletrado), mas que detém um profundo conhecimento da natureza à sua volta. Para a população local, os profetas conseguem entender o comportamento de pássaros, sapos, ventos, etc, quando um bom ou um mau inverno se aproxima. Por dependerem muito mais das chuvas do que as pessoas, os animais podem ter desenvolvidos uma sensibilidade maior à vinda (ou não) do inverno. De fato, a nossa percepção de chuva é muito superficial, pois notamos que vai chover somente quando o tempo fecha ou quando começamos a sentir pingos d'água em nosso corpo, isto é, não temos uma percepção para prever chuvas com grande antecedência. Porém, na natureza, os animais são mais sensíveis e podem demonstrar um comportamento diferente, e é neste ponto que entra as observações dos profetas. Por exemplo, o pássaro João de Barro constrói seu ninho virado para o nascente quando o ano é de inverno; em caso de ano chuvoso pela frente, alguns pássaros acasalam, prevendo comida farta para seus filhotes. Esses são apenas exemplos de como a natureza pode fornecer indícios sobre o inverno no sertão, existem observações de ventos, da luz da lua e do sol, que também dão sinais sobre a chuva. O profeta surge como sendo o interlocutor entre a natureza e a sociedade, passando para os agricultores locais o prognóstico para o ano corrente. Apesar de não haver comprovação científica, essas previsões são levadas a sério pelos agricultores, na verdade, a maioria não confia nas previsões dos institutos, e apenas ouvem os profetas. Ciência A ciência não tem dado muita atenção aos profetas, tratando-os apenas como uma manifestação cultural, porém nos últimos anos o interesse tem crescido, universidades americanas e brasileiras têm estudado os profetas de um ponto de vista antropológico, mostrando sua importância cultural e para economia local. O Encontro de Profetas da Região do Sertão Central, que ocorre anualmente em Quixadá, tem tido uma cobertura ampla da imprensa. A população local se reúne com os profetas para ouvir suas previsões e fazer planos para o ano que começa. O nível de acerto das previsões, bem como a possibilidade de construir alguma ferramenta útil para o agricultor cearense, despertou o interesse de pesquisadores da área de Estatística da UFC e da Universidade de Sheffield (Inglaterra). O ideal seria que houvesse um indicador estatístico de previsão dos profetas, onde eles pudessem expressar a previsão de inverno e a incerteza sobre a mesma, dessa forma seus prognósticos tornariam suas previsões mais objetivas e úteis para a população. A construção desse indicador é possível, através de um conjunto de técnicas estatísticas modernas conhecido como elicitação de conhecimento a priori. O método visa reduzir todos os problemas causados pelo alto grau de subjetividade das previsões. A grande dificuldade dos profetas é a comunicação, muitos têm dificuldades em se expressar, não conseguem expressar quando não se têm certeza sobre as previsões, outros se empolgam com a presença da imprensa e muitas vezes fazem previsões em versos rimados. Ainda há problemas conceituais, a concepção de um "bom inverno" pode variar de um profeta para outro. Tudo isso é fonte de erro que tornam as previsões tendenciosas. As técnicas que serão empregadas irão reduzir esses problemas, permitindo que o profeta avalie o que está prevendo, visto que toda previsão estatística deve ser acompanhada do erro associado a ela, essa incerteza será extraída dos próprios profetas. Essa é a primeira vez que os profetas são estudados estatisticamente, e é desse ponto de vista que todo o conhecimento empírico do sertanejo pode ser utilizado de uma forma útil e sistemática. Os pesquisadores vêem grande potencial para um uso ainda mais amplo das previsões dos profetas, talvez combinar suas previsões com os dados meteorológicos dos institutos, levando assim a previsões mais precisas. Essa junção de fontes de informação, aparentemente concorrentes, pode levar a uma melhor precisão nas previsões, visto que serão combinadas informações físicas (dos institutos) com aquelas tiradas de toda experiência adquirida pelos profetas e seus antepassados. Estaremos assim, unindo o mundo científico com o mundo subjetivo.

O Professor cearense Ailton Andrade é PhD em Estatística pela Universidade de Sheffield (Inglaterra). Tem como áreas de interesse os Métodos Bayesianos e Probabilidade Subjetiva. Atualmente é professor do Departamento de Estatística e Matemática Aplicada da UFC
(publicado hoje no jornal O Povo)

Um comentário:

Unknown disse...

Este artigo é muito interessante, mesmo que o uso de modelos probabilisticos nao sejam tao difundidos entre os estudantes aqui em Feira de Santana,UEFS, apesar de possuirmos dados anuais da estação climatologica existente na universidade.
Estou trabalhando com dados de chuvas de 1996 a 2008 e necessito de referencias bibliograficas sobre a teoria Bayesiana, se puder auxiliar-me agradeço.

Obrigado pela atenção

Tayná Freitas