sábado, 22 de dezembro de 2007

Nordestinos têm direito à água

Desculpem-me mas acredito que a greve de fome do bispo de barra Dom Cappio, foi a atitude mais sem futuro e despropositada do ano de 2007. Muitos estão contra a transposição das águas do rio São Francisco, inclusive amplos setores da Igreja e da esquerda. Mas, com certeza, essa atitude não me convence. O projeto é importante para o semi-árido e acredito que apenas o Governo Lula tem força para leva-lo à frente. É uma obra que todos os Nordestinos por puro espírito de solidariedade deveriam estar apoiando. Que Dom Cappio, que nunca passou fome ou sede, reflita e em 2008 mude de postura, deixe de chantagear as autoridades e apóie que as famílias do semi-árido nordestino tenham direito a água.

2 comentários:

Armando Rafael disse...

OK Tarso. "Os nordestinos têm direito a água" e o Governo Lula da Silva tem direito de nos enganar com este projeto em nada tem a ver com o “matar a sede do nordestino”?
Apregoa o Governo Federalem “dar a água a quem tem sede”, "Um copo d’água a quem necessita”. Nada disso parece verdade, muito menos justificativa de tamanho investimento público.
Como cidadão brasileiro tenho direito em ser a favor ou contra o que nos empurram goela abaixo.
No meu modesto entender tem razão o Bispo em ver os interesses do agro-negócio como o maior beneficiário da transposição.
A água não vai chegar ao Sertão de Crateús e ao Sertão dos Inhamuns, onde mais a população precisa de água. Vai beneficiar projetos de irrigação no Vale do Cariri, onde existe água em abundância.Não, este não é um projeto para o Nordeste e para o Brasil, é um erro fundamental de Lula;um equívoco estratégico e ético.
Mais de 6 bilhões de reais vão ser pagos as empreiteiras (tão boazinhas, meu Deus) nesta primeira etapa da transposição que não servirápara beneficiar a população pobre. Ainda bem que no Brasil não existem DESVIOS em obras públicas...(ah, ah, ah)Quem ganhará num ano eleitoral???
A fome do bispo é a nossa fome de sinceridade, de liberdade, de justiça; a fome do bispo é a sede que todas as águas do São Francisco não saciarão. A fome do bispo é ética, o que falta, absolutamente falta, neste país curiosamente “franciscano”, é a solução para o princípio de que: “é dando que se recebe”.
Existe umaminoria do Brasil que quer transparência. Que não se deixa enganar com os mensaleiros e sanguesugas da vida. Essa minoria diz:
"Não somos mercadorias, não somos negociáveis, não somos coisas, não somos urnas ou cargos, somos gente, somos almas que guiadas pelo olho e pela mão fazem o mundo humano belo, sensível, desejável.
Solidariedade bispo Cappio, solidariedade ao povo do Nordeste. Sem mistificações dos corruptos que hoje dominam o cenário político nacional...

Armando Rafael disse...

VAMOS DAR DIREITO DE RESPOSTA AO BISPO DOM LUIZ FLÁVIO CAPPIO
(Artigo publicado na FOLHA DE S.PAULO, em 12/12/2007)

Dom Cappio: Jejuo também por democracia real.

ACUSAM-ME de inimigo da democracia por estar em jejum e oração combatendo um projeto do governo federal autoritário, falacioso e retrógrado, que é o da transposição de águas do rio São Francisco. Meu gesto não é imposição voluntarista de um indivíduo. Fosse isso, não teria os apoios numerosos, diversificados e crescentes que tem tido de representantes de amplos setores da sociedade, inclusive do próprio PT. Vivêssemos uma democracia republicana, real e substantiva, não teria que fazer o que estou fazendo.
Um dos mais graves males da "democracia" no Brasil é achar que o mandato dado pelas urnas confere um poder ilimitado, aval para um total descompromisso com o discurso de campanha, senha para o vale-tudo, para mais poder e muito mais riquezas. Tráficos de influências, desvios do erário, porcentagens em obras públicas e mensalões são práticas tradicionais na política brasileira, infelizmente, pelo visto, ainda longe de acabar. A sociedade está enojada e precisa se levantar. Há políticos -e, infelizmente, não são poucos- que, por onde passaram na vida pública, deixaram um rastro de desmandos, corrupção, enriquecimento ilícito etc. Como ainda funcionam o clientelismo eleitoral, a mitificação de personagens, as falsas promessas de campanha, o "toma-lá-dá-cá" e mais deseducação que educação política do povo, esses políticos conseguem se reeleger e galgar posições de alto poder em governos, quaisquer que sejam as siglas e as alianças.
Na campanha do candidato Lula, o tema crucial da transposição era evitado o máximo possível. Mas as campanhas eleitorais, à base do marketing e das verbas de "caixa dois" das empresas, são tidas e havidas como grandes manifestações do vigor de nossa democracia, que, com urnas eletrônicas, dá exemplo até aos EUA... O projeto de transposição não é democrático, porque não democratiza o acesso à água para as pessoas que passam sede na região semi-árida, distante ou perto do rio São Francisco. O governo mente quando diz que vai levar água para 12 milhões de sedentos. É um projeto que pretende usar dinheiro público para favorecer empreiteiras, privatizar e concentrar nas mãos dos poucos de sempre as águas do Nordeste, dos grandes açudes, somadas às do rio São Francisco.
A transposição não tem nada a ver com a seca. Tanto que os canais do eixo norte, por onde correriam 71% dos volumes transpostos, passariam longe dos sertões menos chuvosos e das áreas de mais elevado risco hídrico. E 87% dessas águas seriam para atividades econômicas altamente consumidoras de água, como a fruticultura irrigada, a criação de camarão e a siderurgia, voltadas para a exportação e com seríssimos impactos ambientais e sociais. Esses números são dos EIAs-Rima (Estudos de Impacto Ambiental/Relatório de Impacto sobre o Meio Ambiente), públicos por lei, já que, na internet, o governo só colocou peças publicitárias.
O projeto de transposição é ilegal e vem sendo conduzido de forma arbitrária e autoritária: os estudos de impacto são incompletos, o processo de licenciamento ambiental foi viciado, áreas indígenas são afetadas e o Congresso Nacional não foi consultado como prevê a Constituição. Há 14 ações que comprovam ilegalidades e irregularidades ainda não julgadas pelo Supremo Tribunal Federal. Mas o governo colocou o Exército para as obras iniciais, abusando do papel das Forças Armadas, militarizando a região. A decisão do TRF (Tribunal Regional Federal) da 1ª Região, de Brasília, em 10/12 deste ano, obrigando a suspensão das obras, é mais uma evidência disso.
O mais revoltante, porque chega a ser cruel, é que o governo insiste em chantagear a opinião pública, em especial a dos Estados pretensos beneficiários, com promessas de água farta e fácil, escondendo quem são os verdadeiros destinatários, os detalhes do funcionamento, os custos e os mecanismos de cobrança pelos quais os pequenos usos subsidiariam os grandes, como já acontece com a energia elétrica. Os destinos da transposição os EIAs/Rima esclarecem: 70% para irrigação, 26% para uso industrial, 4% para população difusa.
Temos um projeto muito maior. Queremos água para 44 milhões de pessoas no semi-árido. Para nove Estados, não apenas quatro. Para 1.356 municípios, não apenas 397. Tudo pela metade do preço previsto no PAC para a transposição. O Atlas Nordeste da ANA (Agência Nacional de Águas) e as iniciativas da ASA (Articulação do Semi-Árido) são muito mais abrangentes, têm prioridade no abastecimento humano e utilizam as águas abundantes e suficientes do semi-árido. Fui chamado de fundamentalista e inimigo da democracia porque provoquei que o povo se levantasse e, disso, os "democratas" que me acusam têm medo. Por que não se assume a verdade sobre o projeto e se discute qual a melhor obra, qual o caminho do verdadeiro desenvolvimento do semi-árido? É nisso que consiste a nossa luta e a verdadeira democracia.

DOM FREI LUIZ FLÁVIO CAPPIO, 61, é bispo diocesano da cidade de Barra (BA) e autor do livro "Rio São Francisco, uma Caminhada entre Vida e Morte".