segunda-feira, 8 de setembro de 2008

A DESIGUALDADE SOCIAL




Os Frutos das desigualdades sociais recaem, de uma forma ou de outra, nas mãos dos profissionais médicos. O excluído social tem duas saídas:aceitar a realidade imposta e viver em condições degradantes e assim adoecer mais e em conseqüência procurar os serviços médicos; ou se rebelar com o sistema, cair na marginalidade, debandar pro lado da violência, sofrer um a agressão física e, também, cair nas mãos dos médicos. Assim, freqüentemente, o médico se envolve com as mais pitorescas situações.

Corria o ano de 1991. Eu era à época concludente do curso médico e estagiava num grande hospital em Recife (PE). Com a insegurança peculiar aos formandos, freqüentava meus plantões e presenciava os mais inusitados casos clínicos e cirúrgicos. Aquilo tudo, ao mesmo tempo, me engrandecia e aumentava a minha insegurança. Medo e esperança se mesclavam em minha mente num frenesi constante em busca de aprender a nobre arte de aliviar a dor e tanger a morte. Num certo início de noite atendi a uma criança que parecia ser mais um caso corriqueiro: ferimento inciso no antebraço esquerdo. Tratava-se de uma menor de rua na faixa de dez anos de idade. Logo percebi que havia muitas marcas de ferimentos anteriores no mesmo membro afetado. Deu-se a seguinte conversa:

- Como aconteceu isso com seu braço? – Perguntei. Embora sabendo que aquela parte do corpo não era o braço, nós médicos, muitas vezes contribuímos para semear a desinformação anatômica. E veio a inesperada resposta:

- Eu me cortei com um caco de vidro. - Disse a pequena, com toda a naturalidade inerente à faixa etária.

- Por que você fez isso? – Indaguei, surpreso. Obviamente sem
imaginar que aquela pequena alma também buscava carinho e conforto.

- Pra beber meu sangue, eu ainda não comi nada hoje. - Respondeu com a mesma sinceridade aquela criaturinha, sem compreender que com aquela frase cravava em meu peito e em minha mente, de forma irremovível, a determinação de sempre lutar contra as injustiças sociais. Fui uma criança muito pobre, também já passei fome, era impossível não me enxergar naquela criança.

Com os olhos borrados terminei aquela sutura. Foi o mais longo
plantão da minha vida. Ainda hoje não consegui cicatrizar a imensa
chaga que aquele pequeno ferimento abriu em meu peito. Sempre choro quando me lembro dessa marcante passagem, que, aliás, nunca sairá da minha memória. Nem desejo que saia.

Era, como disse, o ano de 1991. Suportávamos o governo Collor.
Naqueles dias a imprensa denunciava o fato de o ministro Bernardo
Cabral passar bilhetinho por baixo da mesa de reunião ministerial
elogiando as pernas da também ministra Zélia Cardoso. Enquanto eles brincavam de governar; nossas crianças, sem comida, sem escola, sem moradia, sem saúde, sem dignidade e sem futuro, bebiam o próprio sangue. Com um agravante, impulsionadas pelo vergonhoso verme da fome. E o que é pior, acreditem, este é um fato real.

Dr. Valdetário Brito
Médico
Crato-CE, 7 de setembro de 2008.


Imagem: www.cdcc.sc.usp.br/.../art_27/psiedu.html

4 comentários:

Anônimo disse...

Fico triste de ver o mundo como anda, enquanto uns ganham milhões, outros não ganham nem pra comer, nosso povo brasileiro é sofrido e triste, são uns coitados, não tem acesso a educação de verdade, e dificilmente conseguem ser felizes. Só que o governo não tem interesse que o povo seja instruido, pois as pessoas quanto mais inteligentes ficam, mais questionan, e quanto mais questionan, mais começam a perguntar se o governo é bom ou ruim.

Anônimo disse...

Jorge Augusto Monteiro Carriça

Fico triste de ver o mundo como anda, enquanto uns ganham milhões, outros não ganham nem pra comer, nosso povo brasileiro é sofrido e triste, são uns coitados, não tem acesso a educação de verdade, e dificilmente conseguem ser felizes. Só que o governo não tem interesse que o povo seja instruido, pois as pessoas quanto mais inteligentes ficam, mais questionan, e quanto mais questionan, mais começam a perguntar se o governo é bom ou ruim.

Unknown disse...

De primazia, quero parabenizá-lo pelo seu texto.É com grande comoçao q escrevo esse comentário.Concordo com o autor,no q se refere ao fato de enquanto nossos governantes brincam de governar, nossas crianças passam as mais diversas e duras necessidades. É impactante seu relato, porém, infelizmente é a realidade.Vivemos de uma forma que, independente das promessas que foram ou sao feitas pelos governadores ou símiles, sempre há de ter criaturas que não serão beneficiadas pelo possível e remoto cumprimento de tais.Pelo contrário, serão até prejudicadas por algumas iniciativas de repressao contra os menos favorecidos que eles colocarão em prática. Assim como na Ditadura, em que os cidadãos nao tinham praticamente nenhum direito (a nao ser o de concordar e apoiar o governo) e vários deveres, esses cidadãos que sao excluídos e marginalizados só tem obrigações.E o mais perplexante de tudo isso: o maior dever deles é de se manter longe da sociedade para que nao agravem a crise que alcança as engrenagens do colapso social.
Annelice Schleif.

Unknown disse...

O mal ja conhecemos , precisamos da cura, e a saida para desigualdade social no Brasil é a luta armada, lutar pelos seu direitos e por um Brasil justo isto não é um problema.
Rene Villon
http://twitter.com/GuerrilhaBrasil