domingo, 17 de abril de 2016

Rita Sipahi. Os tempos são outros e não pode haver retrocesso

A ex-presa política Rita Sipahi, 78, não é de se entregar a possibilidade do revés. Mesmo que a derrota, aparentemente, se desenhe irreversível. Fosse o contrário, em 1971, não teria arranjado atalhos para atravessar a ditadura civil militar instalada no Brasil (1964/1985). Ela e mais oito moças “subversivas” foram prisioneiras na Torre das Donzelas, uma cela feminina do presídio de Tiradentes, em São Paulo. Foram 11 meses de sessões de torturas, humilhações e risco de sair dali morta ou desaparecer. Mesmo assim, não paravam de discutir como “retomariam a luta social”.

Por destino, a cearense que fugiu para São Paulo e resolveu ficar por lá, dividiu a mesma cela com Dilma Vana Rousseff. Quarenta e cinco anos depois, Rita Sipahi volta a experimentar um dia fora da curva da normalidade e cheio de interrogações sobre o presente e o futuro do Brasil. “Não sou uma pessoa pra baixo, tenho muita perspectiva das coisas que vêm pela frente”, afirma a advogada e conselheira da Comissão de Anistia, do Ministério da Justiça.

Nos anos de exceção, Rita Sipahi foi integrante da Ação Popular e do Partido Revolucionário dos Trabalhadores (PRT). Organizações clandestinas de esquerda que engendraram uma amadora guerrilha urbana para derrubar os generais e restaurar a democracia do País.

Por telefone, Rita Sipahi afirma que a história de Dilma Rousseff, hoje, não é mais difícil do que o período da prisão na Torre das Donzelas ou o tempo que durou a ditadura. “É bem diferente. Na época, vivemos uma resistência, éramos jovens, enfrentávamos. Tínhamos uma perspectiva forte. Sobreviver e continuar lutando”, num contexto de pouca liberdade para quase tudo e muito risco.

Atualmente, avalia a advogada, a perspectiva é outra. Haveria, segundo Sipahi, uma compreensão que vem tomando o povo brasileiro. “Está ficando claro que há uma disputa entre dois projetos de País. Um voltado para garantir o estado democrático de direito, conquistado muito arduamente”. E outro que seguiria na direção contrária e quer dividir o Brasil. Cada vez mais, acredita a ex-presa política, haverá posicionamento nas ruas e posturas que irão influenciar a Câmara e o Senado.

DiferençasPara Rita Sipahi, o momento político, hoje, é também fruto de um tempo de muito “abafamento” das coisas. “Há outras causas, mas atribuo o silenciamento que a ditadura civil militar impôs neste País. Durante anos não se falou no golpe, não se falou na tortura” e outras pendências.

Parecia, observa a conselheira da Comissão de Anistia do Ministério da Justiça, “que tudo estava sempre em harmonia no Brasil. Mas não estava e aflorou. E na hora que aflora, e isso é uma vantagem, ficam evidenciados os lados. Cada um tem um lado. E é possível, a partir do lado de cada um, se discutir a sociedade. Agora, a gente tem onde chegar. Agora, as perguntas são feitas pelos mais jovens. Antes não podiam ser feitas”, afirma Rita Sipahi.

AutocríticaÉ grave o momento para o Partido dos Trabalhadores (PT), reconhece a ex-militante da Ação Popular. E é preciso fazer a autocrítica. Uma prática, lembra Rita Sipahi, comum mesmo nas prisões e depois das torturas. “Eu sou uma crítica do PT. Há aquelas que fazemos internamente e outras que assumimos publicamente. Críticas que fazíamos e alguns (membros mais influentes) eram refratários”.

Houve um momento, reconhece Rita Sipahi, em que “o Partido dos Trabalhadores se institucionalizou. Passou-se a dar uma importância muito grande ao Estado, às relações para garantir a governabilidade. Deixou-se de lado até importância de se ter uma política de comunicação sem ser partidária, mas que houvesse uma pedagogia do direito à informação”, diz.
A ex-companheira de cela de Dilma Rousseff lembra que o PT, quando surgiu, “se propunha a ser um partido diferente. No entanto acabou sendo um tradicional. Mas há tempo para refazer”, acredita. 

Saiba mais

Rita Sipahi usou os codinomes de Aspásia e Joana durante a ditadura militar no Brasil (1964/1985)

A ex-guerrilheira urbana denunciou o delegado Dirceu Gravina como um de seus torturadores no Doi-Codi, em maio de 1971. O policial tinha o apelido de JC ou Jesus Cristo.

Passou 11 meses presa, em 1971, na Torre das Donzelas. Uma cadeia do presídio de Tiradentes (SP). Ela e mais oito presas políticas. Dilma Rousseff era uma das prisioneiras. Ela e outras cinco participaram do documentário Mulheres em Luta, no canal GNT
Jornal O POvo 

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