segunda-feira, 26 de setembro de 2011

O INVERNO ESTÁ A CAMINHO



Em um território fantástico, baseado na Europa medieval, no qual o verão dura décadas e o inverno, vidas inteiras, a frase ganha um sentido fatídico. Ao ouvi-la, os mais corajosos homens silenciaram, deixando-se tremer por dentro.

Tremeram da lembrança da violência cortante de ventos e de espadas. Com o inverno, não apenas gelo, neve e ventos assolam populações inteiras, nunca preparadas o bastante para cem anos de rigorosa temporada. A pálida escuridão que alveja bosques e vales vem acompanhada de criaturas perversas, emergidas da bruma densa.

Mas enquanto se impõe o gerúndio e o inverno não tranca em seus castelos e moradas os clãs, reinos pegam fogo, em uma imbricada disputa pelo trono de ferro, o poder sobre os reinos de Westeros. Um generoso casal, possuidor de honrosa prole; vigorosos cavaleiros, comandados por um destemido líder; um casal de irmãos, remanescentes de uma comunidade em declínio, permeada por histórias de dragões lendários; além de uma corja de beberrões, irônicos, pervertidos e enganadores. Há para todos os gostos. Esses são apenas aperitivos do caráter dos principais grupos que se dividem na luta pelo poder dos sete reinos.

"A Guerra dos Tronos" tem início quando Eddard Stark, lorde do castelo de Winterfell, nas proximidades das Terras Acidentadas do Norte, aceita a prestigiada posição de Mão do Rei, uma espécie de conselheiro real. Stark, um humilde e ético líder, concorda em assumir tal cargo apenas por uma desconfiança, que põe em risco a vida do rei Robert Baratheon, seu velho amigo. O conselheiro supõe que o último ocupante do trono fora envenenado pela manipuladora rainha, nada diferente dos outros membros de seu clã, os Lannister. Mas Stark não imaginava que tê-los como inimigos poderia não representar apenas perigo para Baratheon, mas para sua própria família, não muito segura, mesmo estando em terras do Norte. E esse é só o primeiro dos cinco livros de "Crônicas de Gelo e Fogo", best-seller de George R. R. Martin, recentemente adaptado para a televisão pela HBO.

Vida cruel

Apesar de tratar-se de uma literatura épica e fantástica, levando à inevitável comparação com "O Senhor dos Anéis", saga de J. R. R. Tolkien, as distinções são explícitas já nos primeiros capítulos. Primeiro, o público que deseja atingir. O autor da saga dos Bolseiros fazia literatura infanto-juvenil, aventuras que ninavam o sono de seus filhos; George, muito pelo contrário, escreve ficção fantástica para adultos. Diferente do R.R. Tolkien, o R. R. Martin não tem princípios, escrúpulos ou predileções por personagens.

O mérito de Martin, que o levou a ser inclusive considerado pela crítica como autor do melhor épico de todos os tempos, é a crueza de burlar o óbvio. Sabe aquela máxima de que o protagonista não morre? E aquela de que crianças não sofrem crueldades? E aquela de que o mocinho se dá bem no final? Jogue tudo no lixo.

Em "Crônicas de Gelo e Fogo" não é vida real, mas os personagens são mortais, passíveis de terem suas vidas interrompidas por uma reviravolta, independentemente do grau de importância que tenham para a narrativa. Estupros, orgias, infanticídios e muitas outras do repertório de práticas amorais constam no livro.

Talvez por isso a crítica o tenha intitulado de "Um Senhor dos Anéis com sexo e sangue" ou "A Família Soprano medieval". De fato, ainda que haja seres fantásticos, como os dragões, virtudes e defeitos, tragédias e bênção provém todos da ação humana, da ambição, da cólera e, por outro lado, da fraternidade e da honra.

A essência de "Crônicas de Gelo e Fogo" está no conflito entre capacidades humanas: de ferir e de curar, de enganar e de perdoar, de liderar e de seguir.

Produção

A série começou a ser escrita em 1991 por George R. R. Martin, quando ainda produzia roteiros para cinema e TV em Hollywood. Em entrevista a um portal de cinema brasileiro, o autor comenta que a ideia de escrever um livro foi motivada pelas vezes em que precisou cortar bons roteiros por falta de recursos financeiros.

"Eu ouvia direto ´George, esse roteiro está ótimo mas, para produzí-lo, vamos precisar do triplo do nosso orçamento. Você tem que cortá-lo´´ Eu voltava, relia tudo e cortava. Eu me cansei de ter que cortar roteiros. Quando se escreve um livro não há preocupações com orçamento. E vim do mundo da prosa, então eu estava voltando ao meu primeiro amor", afirma.

Baseada em eventos históricos, como a Guerra das Duas Rosas, e em romances como "Ivanhoé", de Walter Scott, a série de George, com título original "A Song of Ice and Fire", possui cinco livros, três já traduzidos para o português, editados pela LeYa.

O primeiro volume, "A Game of Thrones", foi publicado em 1996. Em 2005, "A Feast for Crows", o quarto volume da série, se tornou o livro mais vendido da lista do The New York Times, alcançando a mesma posição na lista do The Wall Street Journal. No Brasil, na primeira semana de setembro, os três livros lançados constam entre os dez mais vendidos ("A Tormenta de Espadas", em 1ª, "A Guerra dos Tronos", em 5º e "A Fúria dos Reis", em 9º).

Ironia

"De 1990 a 1995, eu fiz de tudo para criar uma série televisiva. Escrevi seis pilotos e nenhum deles foi comprado. Quando você para de tentar, parece que tudo cai do céu", comenta Martin sobre a grande ironia da obra. Cansado de fatiar histórias, ele escreve uma série de livros gigantes que, em 2007, tiveram seus direitos comprados pela HBO para adaptação televisiva. A primeira temporada de "Game of Thrones" estreou em 17 de abril deste ano.

Com elogiável fidelidade ao livro, a primeira temporada da série cobre, em dez episódios, o primeiro livro da saga. Dois dias após o lançamento, a HBO anunciou que havia renovado o contrato para uma segunda temporada depois das críticas extremamente positivas e do número inicial de espectadores do primeiro episódio: 4,2 milhões.

Em entrevista, George relata que após o lançamento de "A Fúria dos Reis" (livro que, de fato, levou Martin às listas de best-sellers nos Estados Unidos) muitas pessoas o procuraram querendo adaptar a saga para o cinema, mas o autor se manteve descrente.

"Eu sabia que meus livros não poderiam ser adaptados ao cinema. São simplesmente grandiosos demais. Esses livros são mais longos do que os do Tolkien, têm um elenco de personagens muito maior. Por mais que eu tenha ido a algumas dessas reuniões no início, nenhuma delas levou a lugar algum. Aí aconteceu a reunião com David Benioff e Dan B. Weiss (produtores executivos e co-criadores) e eu percebi que eles tinham a mesma noção de que a única maneira de fazer isso era para a TV, preferencialmente para a HBO. Isso nos permitiria fazer cenas adultas e dedicar temporadas inteiras para cada um dos romances. Esse foi o ponto decisivo", revela Martin.

Para ele, a maior dificuldade de adaptar a série, além de aspectos próprios ao roteiro, seria a escolha de atores mirins. Segundo ele, existem muitos atores infantis nos Estados Unidos, mas para a saga eles precisariam lidar com circunstâncias dificilmente encontradas nos programas que costumavam fazer. "As crianças de ´Game of Thrones´ têm que transmitir medo, luto, amor, ânsia, saudade, desejo em papéis que seriam desafiadores até para atores adultos. Entrevistamos centenas de crianças para cada papel e eu não sei onde nossa diretora de casting (Nina Gold) encontrou esses atores, mas as três crianças principais - Isaac Hempstead-Wright (Bran), Sophie Turner (Sansa) e Maisie Williams (Ayra) - são incríveis.
fique por dentro Sagas fantásticas

As sagas fantásticas estiveram sempre permeando a história da literatura mundial, dos contos de fadas aos livros adultos. Na atualidade, porém, pode-se considerar que o universo fantástico criado por J. R. R. Tolkien, autor de "O Senhor dos Anéis" (foto) se tornou uma autêntica referência para títulos posteriores, inclusive seu contemporâneo, C. S. Lewis, de "As Crônicas de Nárnia". Ambos escritos entre as décadas de 40 e 50, os títulos passaram a ser editados em larga escala atualmente, pelas adaptações cinematográficas. A primeira obra de Tolkien, "O Hobbit", começou a ser escrita em 1930, quando era professor em Oxford. Depois de lançada, em 1937, Tolkien ofereceu à editora "O Silmarilion", que considerava sua principal obra, mas o editor não quis arriscar. Pediu então que ele escrevesse uma saga maior novamente com o hobbit Bilbo. O perfeccionismo não deixou que Tolkien a terminasse em menos de 12 anos.

Nos livros e na tela

Livros no Brasil
- Guerra dos Tronos (Vol. 1) - Editora LeYa, 592 páginas, R$ 49,90
- A Fúria dos Reis (Vol. 2) - Editora LeYa, 656 páginas, R$ 49,90
- A Tormenta de Espadas (V. 3) - Editora LeYa, 884 páginas, R$ 54,90

Seriado

- Game of Thrones - Primeira Temporada (2010). 55 minutos (cada episódio). Reprises em outubro, aos fins de semana, nos canais HBO Plus e HBO HD. O seriado já está disponível no formato DVD nos Estados Unidos e Europa

MAYARA DE ARAÚJO
REPÓRTER

Jornal Diário do Nordeste

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