Texto do jornalista Paulo Nogueira, no Diário do Centro do Mundo
2015 foi, sob muitos aspectos, um annus horribilis, expressão latina para designar ano horrível.
Mas fragmentos de sol brilhante emergiram dos céus sombrios e prontos a despedir raios.
Abaixo, 9 deles.
- Os secundaristas de São Paulo. Eles foram a melhor surpresa do ano. Mostraram o poder da mobilização e da resistência a absurdos. Diante de uma tentativa não explicada de reorganização escolar do governo Alckmin, eles foram às ruas. Ou melhor, às escolas. Ocuparam-nas umas após outras. Fizeram Alckmin dobrar os joelhos e recuar. Não se intimidaram diante da truculência da PM de São Paulo: registros da altivez com que enfrentaram socos e cassetetes inundaram as redes sociais. Para uma cidade que parecia ter se convertido no reduto nacional dos reacionários e dos analfabetos políticos capazes de importunar petistas em locais públicos, o gesto dos secundaristas foi um sinal de esperança e redenção.
- O voto de Barroso na questão do impeachment. Ali, foi um dos momentos centrais para o desarme do golpe tramado pela associação de interesses escusos liderados por Aécio e Eduardo Cunha. Fachin, na véspera, dera surpreendentemente um voto favorável aos golpistas. Não à toa, Merval Pereira escreveu que o “caminho estava aberto”. O primeiro a votar no dia seguinte, Barroso, fechou este caminho. Com argumentos potentes, ditos em tom sereno, virou o jogo. Destroçou o voto de Fachin e deixou furioso Gilmar Mendes, que se levantou abruptamente do plenário sob a desculpa de que tinha que viajar.
- As colunas de Jânio de Freitas e Gregório Duvivier. Numa mídia dedicada ao terrorismo político e econômico, Jânio de Freitas e Duvivier, embora extraordinariamente minoritários, serviram de contraponto. Cada qual do seu jeito, deram aos leitores a oportunidade de entrar em contacto com visões diferentes daquela tão enviesada que domina jornais e revistas.
- Os processos movidos por Lula. Em 2015, Lula decidiu enfim reagir, na Justiça, a jornalistas que o insultam e acusam sem provas. Ele seguiu a lição do grande jurista alemão do século 19 Rudolph von Ihering, segundo quem você deve à sociedade buscar na Justiça reparação contra abusos. Ao fazer isso, você está dificultando a vida de caluniadores – o que é bom para a sociedade como um todo. Quem não reage, disse Ihering num livro de enorme repercussão até hoje, merece as agressões que sofre e é “um verme”.
- A lição de civilidade de Chico a playboys. Sem jamais erguer a voz e nem insultar ninguém, Chico Buarque enquadrou os playboys que se acharam no direito de importuná-lo na saída de um restaurante no Leblon. Um deles chamou-o de “um merda” por ser petista. O melhor momento da discussão se deu quando quando perguntaram a Chico o que é quem é do PT. “Petista”, respondeu ele. “O PT é bandido”, retrucou um dos playboys. “Pois para mim o PSDB é bandido. E daí?”, disse Chico. Neste instante, Chico aplicou um ippon nos que o inquiriam. Sabido depois que se tratava de jovens ricos desocupados, Chico postou no dia seguinte no Facebook a música “Vai Trabalhar, vagabundo.”
- O florescimento das bicicletas em São Paulo. Com enorme atraso em relação às grandes metrópoles mundiais, São Paulo ingressou em 2015 na Era das Bicicletas. O mérito, aí, é do prefeito Haddad, porque seus antecessores, um dos quais o arrogantemente inepto Serra, ignoraram as bicicletas como uma resposta ao congestionamento e à poluição provocadas pelos automóveis. Haddad viu o óbvio, você pode dizer. Cidades como Nova York, Londres e Paris já tinham feito o que ele fez muito antes, inspiradas em exemplos bem sucedidos como Copenhague e Amsterdã. O problema é que os prefeitos que o antecederam não enxergaram o óbvio.
- Os documentos levantados pelos suíços sobre as contas secretas de Cunha. Pode-se dizer que a carreira de Eduardo Cunha terminou ali, com o trabalho dos investigadores suíços. Não fossem eles, Cunha estaria entrando em 2016 cheio de graça para promover a causa do impeachment. É uma pena que as autoridades brasileiras não tiveram a mesma competência dos suíços para lidar com Cunha. O procurador Janot demorou meses para pedir o afastamento de Cunha mesmo de posse de provas acachapantes. E o ministro do STF Zavascki adiou para depois do recesso – fevereiro – a apreciação do pedido de afastamento. Com as mãos incompreensivelmente livres, Cunha pôde manobrar à vontade na Câmara e, por vingança, atirar o Brasil a uma profunda crise política ao acatar o pedido de impeachment feito por Hélio Bicudo.
- O fracasso dos protestos pelo impeachment e o sucesso das manifestações pela democracia. No final do ano, a avenida Paulista mostrou que caso vingue o golpe a democracia será defendida. Ao mesmo tempo, a Paulista revelou também que o entusiasmo dos analfabetos políticos com o golpe murchou. Não vai ser fácil cassar 54 milhões de votos.
- A proibição de financiamento privado de campanhas pelo STF. Foi, provavelmente, o golpe mais forte dado contra a corrupção em muitos anos no Brasil. O financiamento privado é a fonte original da corrupção dos partidos e dos políticos. Empresa nenhuma doa. Antes empresta, para receber depois de volta, multiplicado, em medidas favoráveis. O Congresso que o país tem hoje foi o pior que o dinheiro pôde comprar. Eduardo Cunha é o maior exemplo disso. Com sua capacidade de arrecadar – para depois retribuir – financiou não apenas sua própria campanha como a de um séquito de paus mandados. Com eles, dominou a Câmara, fez dela uma zona de comércio espúrio e, não bastasse isso, aprovou medidas que representam o atraso do atraso.
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