domingo, 18 de novembro de 2007

Há 97 anos marinheiros se revoltavam no Rio de Janeiro

Há quase 97 anos, em 22 de novembro de 1910, marinheiros se revoltaram no Rio contra os castigos corporais na Marinha. O governo cedeu, anistiou os rebeldes, mas não cumpriu a palavra. Muitos foram mortos, deportados e presos.

Há muito tempo nas águas da Guanabara/O dragão do mar reapareceu/Na figura de um bravo feiticeiro/A quem a história não esqueceu./Conhecido como o navegante negro, tinha a dignidade de um mestre-sala. São versos da canção O Mestre Sala dos Mares, de Aldir Blanc e João Bosco, na voz de Elis Regina, que narram um episódio histórico ainda pouco conhecido: A Revolta da Chibata, liderada pelo marinheiro João Cândido.

O movimento teve início no dia 22 de novembro de 1910 em protesto contra os castigos corporais aplicados na Marinha contra os marujos, entre os quais o açoite com a chibata. O estopim da revolta foi a aplicação das chibatadas 250 vezes num único marinheiro, quando a norma previa "apenas" 25 chibatadas. Na quinta-feira, completam-se 97 anos da rebelião. Quatro grandes navios da Marinha - Minas Gerais, São Paulo, Deodoro e Bahia - estiveram sob o controle de João Cândido e mais de 2 mil marinheiros. Quatro oficiais - o comandante, inclusive - foram mortos no Minas Gerais pelos marinheiros durante a revolta. Quatro dias de prontidão, na Baía de Guanabara. Os rebeldes exigiam uma resposta do governo do então presidente da República, marechal Hermes da Fonseca sobre o fim dos castigos corporais e ameaçavam bombardear, dos navios, a cidade do Rio de Janeiro. Após forte tensão, chegou-se a um acordo que daria fim à prática da chibata e anistiaria os revoltosos. O desfecho da Revolta da Chibata, no entanto, foi melancólico para os rebeldes e vergonhoso para a então jovem República brasileira. Descumpriu-se a palavra do presidente Hermes da Fonseca. Sob pretexto de ter acontecido nova rebelião de fuzileiros navais (que não contou com participação de João Cândido e de nenhum dos marinheiros dos quatro navios citados), a anistia concedida não foi cumprida e muitos revoltosos foram assassinados, deportados para o Norte do País e outros presos em condições degradantes na Ilha das Cobras (RJ).João Cândido foi encerrado num cubículo subterrâneo quase sem ventilação com mais 17 marinheiros. Um dia depois, só dois deles estavam vivos: João Cândido e outro marujo. Repetia-se no Brasil um caso parecido com o do encouraçado Potemkin, ocorrido cinco anos antes na Rússia e um dos episódios que precederam a Revolução Russa, tema do filme de Sergei Eisenstein. Com uma diferença: o Potemkin tinha menos de 500 tripulantes. Além disso, os oficiais permaneceram no navio, participando das operações, sob as ordens dos marinheiros. João Cândido comandou quatro navios ("uma verdadeira esquadra", como disse o jornalista Edmar Morel no livro A Revolta da Chibata) e 2.379 marinheiros. Nenhum oficial ficou a bordo. Edmar Morel narra noutro trecho do livro: "Arriada a bandeira rubra, começou o crime contra os anistiados, culminando com fuzilamentos, a bordo do Satellite, em águas do Norte, enquanto João Cândido e seus companheiros de jornada, todos anistiados, foram metidos em masmoras medievais na Ilha das Cobras, onde vários morreram asfixiados com cal virgem. O chefe (João Cândido), aquele que acabou com a chibata na Marinha, foi parar no Hospital dos Alienados (loucos)". Em 1912, foi absolvido das acusações junto com outros colegas que participaram da revolta. Mas a Marinha nunca perdoou a ousadia dos rebeldes. João Candido morreria em 6 de dezembro de 1969, 69 anos depois da Revolta da Chibata. A Marinha ainda hoje o desconhece. Morreu sem ouvir a música Mestre Sala dos Mares, composta seis anos depois de sua morte, em 1975. A letra original falava em almirante negro, mas a censura da época (ditadura militar)pediu o autor para substituir essa expressão, mudada depois para navegante negro.

CRONOLOGIA 1910 - setembro - Aparece carta anônima no camarote do comandante do navio Bahia protestando contra a aplicação dos castigos corporais contra os marinheiros. A autoria do aviso é do cearense Francisco Dias Martins, que assinou como Mão Negra. 1910 - 22 de novembro - Explode a Revolta da Chibata no Rio de Janeiro em protesto contra o espancamento com 250 chibatadas do marinheiro Marcelino Rodrigues Menezes no navio Minas Gerais. João Cândido lidera a rebelião. 26 de novembro- O governo do presidente Hermes da Fonseca declarou aceitar as reivindicações dos amotinados, abolindo os castigos físicos e anistiando os revoltosos que se entregassem. Estes, então, depuseram armas e entregaram as embarcações. 28 de novembro - Alguns marinheiros foram expulsos da Marinha, sob a acusação de “incoveniente à disciplina”. 4 de dezembro - Quatro marujos foram presos, sob a acusação de conspiração. Em meio a uma forte onda de boatos, isolados e desorganizados 9 de dezembro - Os fuzileiros navais se sublevaram na ilha das Cobras, sendo bombardeados durante todo o dia, mesmo após hastearem a bandeira branca. 1912- 1º de dezembro - João Cândido e dez companheiros só seriam julgados e absolvidos das acusações. 1969 - 6 de dezembro - O líder da Revolta da Chibata, João Cândido, morre no Rio de Janeiro, aos 89 anos de idade.

Leia essa matéria no Jornal O Povo de hoje (www.opovo.com.br)

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