Por Alexandre Lucas*
Quando se tem uma pereba, as pessoas tendem a fazer muitas coisas: cuidar para não se alastrar, cuidar e reclama de dores e incômodos, piorar a situação ou ainda podem se acostumar com dores e incômodos. A pereba pode ser duradoura ou curta, pequena ou grande, de fácil ou de complexa resolução. Quem tem uma pereba é que sabe o que ela pode representar na vida, da mesma forma que só quem sabe a dimensão da violência é a pessoa violentada.
Partindo desta lógica, acredito que todo perebento tem o direito de reclamar da sua pereba.
Essa analogia serve pensar sobre a situação de pensadores, fazedores, produtores e brincantes da cultura no país que estão na situação de perebentos. Apesar dos avanços que tivemos nos últimos anos no campo das políticas públicas para a cultura impulsionado em grande parte pelos movimentos sociais da cultura. A situação não está ilesa, a maioria dos municípios e estados brasileiros apresentam perebas complexas de serem solucionadas a curto prazo. Ainda está engatinhando no país os Sistemas Estaduais e Municipais de Cultura, o que deverá representar um avanço transformador no que diz respeito a garantia de recursos, aparato jurídico e mecanismo de participação, fiscalização social e definição das políticas públicas numa perspectiva que ultrapassa governos.
Teremos uma longa caminhada para consolidação deste Sistema Nacional Cultura. Muitas disputas deverão ser travadas e paralelamente a esses sistemas poderão surgir novas formas de financiamento, circulação, colaboração e reinvenção da cultura.
A cultura é um espaço de disputa política, simbólica e do capital o que pode alastrar perebas ou minimizar gravidades, mas é essencialmente espaço de conflito, interesses e antagonismos, notadamente numa sociedade em que a cultura é fruto de uma estratificação social, nos entremeios muitas coisas podem ser mediadas, hibridizadas, recriadas, mas dificilmente homogeneizadas.
Sempre é possível surgir perebas no meio do caminho, mas como combater os ferimentos que vão surgindo sem escutar os gritos de dores dos perebentos?
Talvez seja preciso escutar cada grito de dor, por mais estridente, cansativo e aborrecido que seja. Esse ao meu ver é uma exercício necessário que possibilita compreender as realidades por parte dos gestores públicos que muitas vezes parecem sofrer de alguma hipersensibilidade sonora por vozes destoantes das suas.
No âmbito da diversidade estética, artística e cultural, inevitavelmente teremos a diversidade política, o conflito de opiniões e de posições, fatores que também caracterizam a democracia e que são legítimos, depois de tantos períodos na história do nosso país em que a selvageria das chibatadas, das restrições à liberdade de expressão e perseguições políticas foram reinantes, nos resta ocupar a democracia, mas não como expectadores, nem como lagartixas de gestões que balançam as suas cabeças para todas as ordens num sinal de consentimento. As lagartixas, entretanto, não se representam nesta analogia, apenas pelos gestores públicos e suas equipes, mas pelos feridos que não se percebem como tal. Enquanto existirem perebas na cultura, seremos perebentos.
Pedagogo, artista/educador e coordenador do Coletivo Camaradas.
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