quinta-feira, 10 de setembro de 2015
Entrevista com a presidente Dilma Rousseff
É longa a entrevista concedida ontem à repórter Cláudia Safatle, do “Valor Econômico” , logo depois do anúncio do corte do “grau de investimento” brasileiro pela agência Standard & Poors – aliás devedora de US$ 1,37 bilhão ao governo americano por ter fraudado estas mesmas notas na crise de 2008 .
Reproduzo alguns pontos que considerei essenciais e registro que, embora sóbrio, pareceu haver, finalmente, decisões tomadas pela Presidenta, que não poderia cometer erro maior que continuar ao sabor do massacre diário que sofre seu governo.
Na entrevista, a Presidenta confirma o compromisso com a meta fiscal, mas descarta que os programas sociais possam sofrer cortes mais profundo e que a política de valorização do salário-mínimo seja modificada.
Valor: Presidente, a Standard & Poor’s acabou de tirar o grau de investimento do Brasil. E agora?
Dilma Rousseff: O governo brasileiro continua trabalhando para melhorar a execução fiscal e torna-la sustentável. É fundamental a retomada do crescimento. Você vai notar que de 1994 a 2015 só em 7 anos, a partir de 2008, a nota foi acima de BB+. Portanto, essa classificação não significa que o Brasil esteja em uma situação em que não possa cumprir as suas obrigações. Pelo contrário, está pagando todos os seus contratos, como também temos uma clara estratégia econômica. Vamos continuar nesse caminho e vamos retomar o crescimento deste país.
(…)
Valor: Buscar a estabilidade fiscal significa cortar gastos?
Dilma: Nós cortamos gastos e diminuímos a desoneração, o subsídio aos juros. Este ano nós contingenciamos R$ 78 bilhões e cortamos R$ 40 bilhões até agora. E é em relação a esse patamar que nós estamos projetando o Orçamento de 2016. É importante você ver a composição da despesa, 90,5% do Orçamento não é contingenciável. Temos aqui uma jabuticaba: despesas discricionárias não contingenciáveis. Valor: Quais são? Dilma: O mínimo condicional para a Saúde, Educação, Bolsa Família e benefício dos servidores. Isso é lei. Então nós temos esse fantástico caso de jabuticaba, que são as despesas discricionárias não contingenciáveis.
Valor: As corporações conseguem carimbar o dinheiro no Congresso.
Dilma: E você não toca. É meu e você não toca. Por exemplo, nas despesas discricionárias contingenciáveis, tem R$ 42 bilhões para o PAC e R$ 72 bilhões para tudo o mais. O déficit em relação a meta é de R$ 64 bilhões. Contingencia isso como? Como?
(…)
Valor: Qual é a meta fiscal para 2016?
Dilma: Nós mantemos a meta de 0,7% de superávit. Agora nós temos hoje um déficit de 0,5%. Assim sendo, é preciso tomar medidas de gestão de contenção da despesa. Mas é sobretudo das obrigatórias. Mantidos os compromissos que assumimos no PAC e olhando as demais, você não tem margem para cumprir 0,7%. Então, inequivocamente, teremos de ter ampliação da receita. É nossa responsabilidade dizer onde, quando e como. Muitas pessoas estão falando, o governo está ainda avaliando. Não fecha sem aumento de receitas, a não ser que o pessoal queira ficar com o 0,5% do PIB de déficit.
Valor: Déficit?
Dilma: Pode ser. Se o Congresso não aprovar as medidas vai ficar com 0,5% do PIB de déficit. Nós ainda vamos, como eu disse, assumir a responsabilidade de enviar as medidas necessárias para chegar ao 0,7% do PIB.
Valor: Antes de aumentar impostos não é preciso cortar mais?
Dilma: Nós ainda vamos cortar, enxugar mais um pouco.
Valor: Para 2016 a despesa cresce em termos reais, presidente.
Dilma: Lógico, cresce vegetativamente. Aumenta o número de aposentados, por exemplo. Vamos olhar tudo direitinho.
Valor: Pode mudar a lei do salário mínimo?
Dilma: Não acredito.
Valor: Há grande especulação sobre a saída do ministro Joaquim Levy vai sair?
Dilma: Isso é um desserviço para o país. Acho que é ruim. Primeiro, porque ele não vai [sair]; segundo, porque isso encobre uma tendência a tentar enfraquecer o Joaquim, que não é boa. O Joaquim tem a minha confiança. As pessoas têm de conhecêlo para saber. Ele tem uma qualidade inequívoca: é um cara do Estado brasileiro. Quem conviveu com ele sabe disso. É um funcionário público de alto nível, uma pessoa que olha o interesse do país. Ele tem espírito público. Convivi com ele antes, eu o conheço bem.
(…)
Valor: No que a sra. e o ex-presidente Lula concordam e no que há divergência na questão econômica?Frequentemente lemos que ele pede para a sra. gastar mais. É verdade?
Dilma: O que o Lula sempre achou, em todas as circunstâncias, é que uma parte da recuperação vem do consumo. E nisso ele tem toda razão. Do consumo e do crédito. O problema é que criam uma oposição entre investimento e consumo. Não tem. Você sabe que a China hoje está fazendo o possível e o impossível para aumentar o consumo dela? E está fazendo o possível e o impossível para ver o que faz com o sobreinvestimento. Aqui é o inverso. Temos que aumentar o investimento e manter o consumo. Uma das nossas maiores forças é o mercado interno. Podemos começar pela exportação, mas o que vai mesmo ancorar o país é a produção para o mercado interno.
Valor: Mas a chave hoje para a recuperação não é o investimento?
Dilma: São as duas coisas. Exportação e investimento. E, depois, mercado interno. O mercado interno vai se recuperar por último, mas é essencial. Se não, como é que vou investir? Passaram a vida inteira querendo que eu brigasse com Lula. Depois que virei presidente, é o tempo inteiro. Antes, não, era impossível, porque eu vivia aqui e era bastante discreta. Eu entendo o que o Lula pensa. Dois seres humanos nunca concordarão em tudo. Mas o Lula é uma das pessoas com quem eu mais concordo na vida. Ele tem uma grande sabedoria pessoal, uma grande intuição. Uma porção de coisas que não são decisivas, nem relevantes, eu não concordo, nem discordo. São posições dele. É impossível você achar coincidência absoluta com alguém, mas quero te dizer: a minha coincidência com o Lula é muito grande. Acho muito ruim ver algumas coisas no Brasil, não vou nem me queixar do que fazem comigo, mas é muito desrespeitoso algumas coisas que fazem com ele.
Valor: A sra. está falando do boneco nas manifestações?
Dilma: E outras coisas também. Não é possível dessa forma. Ele é um patrimônio deste país.
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