terça-feira, 9 de agosto de 2016

Rafaela Silva, a dona do primeiro ouro do Brasil na Rio-2016 e a luta contra o preconceito



“Falavam que eu não podia estar lutando porque lugar de macaco era na jaula”. As duras palavras ouvidas por Rafaela Silva são doloridas como um ippon recebido. E demonstram sua grandeza e poder de superação quatro anos após ser desclassificada dos Jogos de Londres-2012 em razão de punição por aplicação de um golpe considerado ilegal. Ontem a resposta ao racismo do qual foi vítima depois da derrota na última Olimpíada teve um brilhantismo único. A menina nascida na Cidade de Deus — comunidade do Rio que fica a poucos quilômetros do Parque Olímpico da Barra, conhecida por um filme que fala sobre violência — conquistou sua medalha de ouro na categoria até 57kg do judô.


“Foi bem difícil em Londres. Pensei em desistir. Minha família, meus amigos e minha coach me fizeram não desistir do judô. Não posso ligar pra esses comentários. Meu ícone no judô é o Teddy Riner (judoca francês há seis anos invicto e com seis títulos mundiais além de um ouro e uma prata olímpicas) e ele é negro como eu. Hoje só posso provar que consigo estar entre os melhores”, diz com a voz e o olhar de quem parece nada temer.


A vitória por waza-ari sobre Sumiya Dorjsuren, da Mongólia, na final foi o desfecho de uma volta por cima que vai além
do que sofreu nos Jogos de Londres.


Independente do ouro, o primeiro do Brasil na Rio-2016, Rafaela é símbolo de empoderamento de raça e de gênero.


A menina que gostava de soltar pipa ao lado dos meninos sofria com os garotos que lhe tomavam sua linha e o único par de chinelos que o pai lhe podia comprar. Inquieta, ela sentia que não poderia ficar levando sempre para casa os pés descalços e o desaforo.


Tudo isso a tornou agressiva, característica lapidada no judô que começou a praticar aos oito anos. No Instituto Reação, criado pelo sensei Geraldo Bernardes e o ex-judoca medalhista olímpico de bronze Flávio Canto, ela aprendeu a canalizar o ímpeto. E se tornou judoca profissional.


“Eu tinha uma agressividade diferente que foi transferida para o esporte. Dentro da comunidade, eu era a menina no meio de tantos meninos e tinha que brigar com alguém para não mexerem nas minhas coisas. Cresci me superando”, explica.


O sentimento após os Jogos do Rio-2016 é oposto aos que teve em Londres-2012. Agora medalhista de ouro e com apenas 24 anos, Rafaela tem pelo menos mais um ou dois ciclos olímpicos pela frente. E o sonho vai muito além de ampliar a recém-iniciada coleção de medalhas em Olimpíadas.


“Poder servir de exemplo pra essas crianças da comunidade. Eu tenho o sonho de tornar o sonho delas realidade também. Meu exemplo de superação serve de exemplo para essas crianças. Se tem uma pessoa que poderia representar a comunidade sou eu. Vim aqui e representei. Espero que possam vir outras pessoas da comunidade para fazer o mesmo”.

- Jornal O POvo

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