A transmissão do HIV (vírus da AIDS), mesmo que por uma pessoa que saiba ser portadora do vírus e tenha mantido relações sexuais sem proteção, não deve ser criminalizada por si só. Essa é a posição defendida pelo Ministério da Saúde, que prepara uma nota pública sobre o tema endereçada a profissionais da Justiça.
Recentemente, em São Paulo, um homem foi condenado por homicídio doloso (em que há intenção de matar) por ter supostamente transmitido o vírus HIV à sua amante.
Ele disse que não contou a ela ser portador do vírus porque estava apaixonado e tinha medo de perdê-la, mas acabou sendo condenado a dois anos e meio de reclusão. Casos como esse vêm se repetindo no Judiciário, e ao menos um já chegou ao Supremo Tribunal Federal, onde aguarda julgamento.
Para Eduardo Barbosa, diretor-adjunto do Departamento de DST, AIDS e Hepatite do Ministério da Saúde, para que a transmissão seja considerada crime é preciso comprovar que o SOROPOSITIVO teve a intenção de passar o vírus.
"Num contexto cotidiano, das relações sexuais afetivas, é muito difícil você estabelecer uma culpa. É possível analisar particularmente dentro de uma perspectiva de intencionalidade. Na medida em que tiver essa intencionalidade de ferir e transmitir, é diferente."
Ele diz também que é preciso considerar a existência de "fatores psicossociais", o estágio de tratamento da doença e a corresponsabilidade do parceiro de também se proteger.
A nota vai contra uma tendência mundial de criminalizar quem transmite a doença, afirma Barbosa. "Alguns países acabam adotando essas medidas como se fosse possível, isolando e culpabilizando, controlar a epidemia."
Dolo eventual
O professor de direito penal Damásio de Jesus discorda dessa tese. Na sua opinião, se ficar provado que o SOROPOSITIVO sabia que tinha o vírus e ainda assim não se protegeu nas relações, deveria ser acusado de tentativa de homicídio ou, caso a vítima tenha morrido, de homicídio.
Sua tese se aplica mesmo aos casos em que o portador do HIV não tinha a intenção de transmitir o vírus, mas não contou o fato ao parceiro ou à parceira por vergonha ou medo de se expor. Nesse caso, para ele, seria aplicada a tese de dolo eventual, em que o acusado não tem intenção de cometer o crime, mas assume o risco de ele ocorrer.
Mário Scheffer, coordenador da ONG Grupo Pela Vida, apoia a iniciativa do ministério e defende que a eventual responsabilização do SOROPOSITIVO só pode ser feita após a comprovação dos seguintes pontos: que a pessoa sabia que era portadora do vírus e que podia transmiti-lo, que teve relações sexuais desprotegidas, que o parceiro ou parceira está infectado, que os dois tiveram relações sexuais desprotegidas, que ele não tinha HIV antes do relacionamento e que ambos têm variedades de HIV compatíveis.
"Se for comprovada a intencionalidade, aí cabe à Justiça avaliar o caso", diz Scheffer.
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