segunda-feira, 18 de outubro de 2010

“DISCUSSÃO DE GÊNERO SEMPRE ESTEVE PRESENTE NA MINHA VIDA”

O texto abaixo é uma entrevista feita com a bailarina Sheila Ribeiro que em seu facebook afirmou que durant euma aula Monica Serra, esposa de José Serra, afirmou que fez um aborto.




Seu nome completo é Sheila Canevacci (sobrenome do marido, o antropólogo Massimo Canevacci) Ribeiro. Profissionalmente, Sheila Ribeiro. Tem 37 anos. Morou 11 anos em Montreal, Canadá. Foi para lá depois de se formar na Unicamp. É coreógrafa e doutoranda em Comunicação e Semiótica pela PUC de São Paulo.

Nos meios da dança, Sheila é conhecida e reconhecida, no Brasil e no Exterior. Quem priva de seu convívio pessoal ou profissional, não se espantou com a atitude dela.

Márcio Seligmann-Silva, professor livre-docente de Teoria Literária da Unicamp, com pós-doutorado pelo Zentrum Für Literaturforschung Berlim, Alemanha, e pela Yale University, nos EUA, afirma:

“A indignação de Sheila com o debate biopolítico que pontua nosso cenário político atual é plenamente compreensível, mas sua coragem talvez tenha a ver com esta experiência de vida em um país democrático [Canadá], onde as pessoas podem se manifestar sem medo.”

Helena Katz, professora no Programa de Estudos Pós-Graduados em Comunicação e Semiótica e no Curso Comunicação das Artes do Corpo, na PUC/SP, comenta:

“Sheila Ribeiro está em cada um dos gestos que cria. Seu trabalho nos ajuda a identificar os danos que o discurso publicitário vem produzindo na sociedade e que não está somente na publicidade propriamente dita, mas que hoje pauta o modo como nos relacionamos e se materializa em nosso comportamento, na cidade, nos meios de comunicação. A potência de sua poética sempre crítica insufla, em cada um dos que entram em contato com as suas produções, a esperança de que um mundo melhor é possível.”

O coreógrafo Wagner Schwartz, do Rio de Janeiro, observa: ”Sheila Ribeiro é mulher, cidadã e coreógrafa. Antes ter um cunho corajoso, seu relato tem uma potência vital, porque não está relacionado ao tema da dualidade morte-e-vida, muito menos às questões partidárias. Como sempre, seja em suas práticas artísticas ou entre amigos, Sheila reafirma a necessidade de se pensar o lugar das classes menos favorecidas, independente da grande escala de forças contrárias às suas ações, porque sua finalidade é, sempre, investigar a causa, sua dor e a sua liberdade”.

A artista e produtora Cândida Monte, de Curitiba (PR), enfatiza:

“Sheila Ribeiro é uma mulher que escolhe atuar, pessoal e profissionalmente, com sinceridade e transparência. Age sempre de forma observadora, pensadora e questionadora. Tem um enorme interesse em discutir e refletir. Seu pensamento artístico emerge disso. Volta sua atenção à cultura para além das considerações sobre a estética, pensando o indivíduo através da arte”.

Sheila é filha de Majô Ribeiro, militante feminista, que foi aluna de mestrado de Eva Blay, e pesquisadora do Núcleo de Estudos da Mulher e Relações Sociais de Gênero da USP. Foi candidata derrotada a vereadora e a vice-prefeita em Osasco pelo PSDB.

A mãe, segundo Sheila, pouco se pronunciou sobre o episódio: “Só disse que achou bom que eu fiz isso pela questão da descriminalização do aborto.”

“Discussão de gênero sempre faz parte da minha vida, daí a minha indignação”, disse-me numa primeira conversa, que tivemos na quarta-feira. “No primeiro turno, votei no Plínio [de Arruda Sampaio, do PSOL]. No segundo, voto na Dilma.”

“Eu não admito que a própria vítima se assemelhe a seu opressor”

Na segunda conversa, Sheila, que já havia se mostrado assertiva no primeiro contato, foi bastante firme. Divertida, atenta, interessada, não titubeou um instante:

“As pessoas acharam que eu era falsa [personagem fake, inventado], muitos me agrediram, muitos insinuaram que eu tinha ganhado dinheiro. Eu fico muito triste e brava com essas coisas.”

“O que eu posso garantir é que Mônica nos contou que fez aborto. Havia muitas outras pessoas que sabem que não é mentira o que eu disse.”

“Quando eu vi o Serra se esquivando no debate, tive um troço, fiquei indignada e fiz uma reflexão sobre o que é ser uma pessoa na privacidade e o que é ser uma pessoa pública.”

“A minha primeira preocupação foi exercer a minha cidadania. Acharam que eu fiz isso porque eu vivi praticamente a minha vida inteira de adulta no Canadá, onde as pessoas falam abertamente sobre esses assuntos e outros assuntos complexos de se abordar. O que me interessa é a saúde pública.”

“Algumas pessoas me dizem que tive coragem, outras ficaram assustadas de eu falar diretamente. Pensei: sou anormal? Acho que o meu jeito é por causa do Canadá. Depois que eu me formei na Unicamp, morei 11 anos lá. A minha vida adulta e profissional, eu desenvolvi lá. Tenho dupla nacionalidade.”

“No Canadá, o aborto é legalizado. Eu te contei das clínicas de ginecologia lá [os serviços de saúde são públicos]? Você telefona, funciona assim. Bem-vinda à clínica da mulher. Para urgências, disque zero. Para consultas, disque 1. Para abortos, disque 2. Para exames, disque 3.”

“Um amigo disse: ‘E se a Mônica e o Serra se converteram?’ Eu respondi. Vamos supor que a Mônica e Serra se converteram à religião e se arrependeram do aborto que fizeram. Só que quando uma pessoa se arrepende perante Deus – o aborto é crime perante Deus –, eles fazem os seus Pai-Nossos, depois vão ser absolvidos e vão para o céu ou para o inferno. Quer dizer: é uma discussão religiosa.”

“Se a pessoa é religiosa, ninguém a obriga a fazer o aborto. Muito bem. A pessoa pode ser religiosa, dizer eu sou contra o aborto em todos os níveis, eu nunca vou fazer o aborto, porque é um crime perante Deus. OK. Só que você pode não misturar essa coisa crime perante Deus, porque no Estado laico não tem Deus. O Estado laico é um Estado.”

“Quem é religioso, não é obrigado a fazer. Ponto. No Canadá, é visto como um problema de saúde pública.”

“As pessoas ficam me perguntando: você é a favor do aborto a partir de mês? Quem sou eu para dizer quando, em que mês, como não deve? Tem vários países em que o aborto é legalizado, o Brasil tem de aprender com eles. Ponto.”

“O que me chocou mais, mais, mais, é que o aborto é uma questão de todos. Até uma pessoa militante contra a descriminalização do aborto já fez aborto. Além da Mônica, eu cito a Benedita da Silva (PT), que é contra a descriminação do aborto e também fez aborto.”

“Significa o quê? Olha a lógica da matemática. Se eu sou contra a descriminalização, acho o aborto um crime e faço o meu clandestino, eu deixo criar uma coisa perversa em mim que é o contrário absoluto da cidadania. Morrer não é só porque tomou Cytotet, colocou agulha de crochê. Morrer é também não poder exercer a sua cidadania. Daí a importância da descriminalização.”

“Não significa que você precisa ficar contando para todo mundo que fez aborto… Colocar no jornal que fez aborto. Mas, se você precisar fazer, você sabe que não é uma criminosa. Você sabe que não está morrendo por dentro por ter cometido um crime.”

“Agora se você é uma religiosa e faz aborto, está cometendo um crime religioso. É um problema seu cultural, social, religioso. Isso é um problema da pessoa.”

“O que mais me deixou indignada, portanto, é que até as militantes contra o aborto fazem aborto.”

“Outra coisa que me chocou foi que a Mônica Serra no debate virou uma carta do jogo, assim como o pré-sal, a Petrobras, a banda larga, a privatização. Então, diante de qualquer carta do jogo, o Serra não enfrentava, não dialogava.”

“Para mim, todas eram cartas do jogo das quais ele ficava se esquivando. Mas eu fiquei mais sensível com a Mônica Serra, porque eu a conheço. Em minha cabeça, misturou a relação da pessoa civil, que relatou ter feito aborto, e da pessoa simbólica, que estava ali fazendo campanha contra a descriminalização.”

“É como se eu estivesse no sofá e ouvisse alguém na televisão dizer que o Nelson Mandela é racista. Eu diria: ‘Como assim?’ O Nelson Mandela é negro, foi preso, lutou contra o apartheid… Tem alguma coisa errada. Aí eu escreveria um artigo: O que está acontecendo com o Nelson Mandela como pessoa pública. Ele mesmo é racista? Não é racista?”

“A Mônica Serra que existiu na minha realidade como aluna é a Mônica da família Allende, que fez aborto. A outra Mônica Serra, que eu vi no debate, é uma citação do nome de uma pessoa, que era uma carta do jogo, uma Mônica Serra simbólica, que virou uma carta do jogo. Só.”
“É uma tremenda contradição. Eu sou uma pessoa brasileira, como outras, que não tem medo de falar. Uma pessoa que foi lapidada em praça pública porque cometeu adultério não vai lutar para que isso exista. Afinal, ela foi vítima disso, concorda?”

“Assim como eu disse no Facebook que nós devemos respeitar a Mônica Serra – evidentemente a figurativa, a metafórica –, está errado as pessoas se calarem. Eu como cidadã, mais ainda como ser humano, não admito que a professora que, traumatizada, falou para mim sobre a experiência do aborto que ela teve por causa da ditadura – é super-importante citar o contexto –, venha hoje não considerar a sua própria dor que ela me fez escutar.”

“Eu sou uma artista. Quando exibo alguma obra, a pessoa está perdendo o tempo dela para ver a minha proposta comunicacional. A Mônica Serra usou a aula de psicologia do movimento para falar disso. Acho lindo. Não acho que é problema. A universidade é para isso mesmo. É para falar de aborto, de questões complexas ligadas ao ser humano. Aquela humanidade que ela dividiu com a gente, inclusive me ensinou a levantar e a escrever sobre isso no dia seguinte ao debate. Foi o fato que falou por si só.”

“Eu não gosto de que qualquer mulher tenha de fazer aborto por causa de uma ditadura. Então, eu não admito que essa própria vítima se assemelhe ao opressor.”

“Sei que tem várias pessoas me condenando. Escreveram em um post: “Aí, com uma amiga dessas…” Para começar, eu não sou amiga da Mônica Serra. Eu fui aluna dela. Eu gosto dela. Mas por mais que eu goste de meu marido, de minha mãe, de meus irmãos, de meu vizinho, quando uma pessoa faz uma coisa que é eticamente contra meus valores humanistas, eu vou me colocar contrária. Eu vou dizer. Tal pessoa, eu gosto muito de você, mas não concordo politicamente com seu posicionamento. Só isso. Então para mim a última coisa que interessa nessa coisa, nessa história é a Mônica Serra. É a última.”

Da assessoria de José Serra

Diante de matéria publicada no sábado, dia 16, na Folha, a campanha de José Serra esclarece: Mônica Serra nunca fez um aborto.

Essa acusação falsa, que já circulava antes na internet, repete o padrão Miriam Cordeiro de que o então candidato Luiz Inácio Lula da Silva foi vítima na eleição de 1989. E dá continuidade ao jogo sujo que tem caracterizado a presente campanha desde que um núcleo do PT, montado para fazer dossiês contra o candidato tucano à Presidência, foi descoberto em Brasília. Primeiro eles atacaram a filha de José Serra. Depois atacaram o seu genro. Agora eles agridem a sua mulher, Mônica, que tem a irrestrita solidariedade, amor e respeito de seu marido, de seus filhos, netos e de milhões de brasileiros.

Via Viomundo

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