quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

60 ANOS DE FRACASSO

No início deste ano, a Anistia Internacional condenou os "60 anos de fracasso" em garantia de direitos humanos no mundo, no relatório anual da organização. A entidade traça um malogro cenário, no qual milhares de pessoas estão sendo torturadas em pelo menos 81 países; submetidas a julgamentos injustos em 54 nações; e privadas de liberdade de expressão em 77 estados nacionais. Ainda assim, nem tudo piorou nestas seis décadas da Declaração Universal dos Direitos Humanos, comemoradas hoje, em várias partes do mundo.

De acordo com a doutora em Direito e mestre em Direitos Fundamentais e Democracia, Carol Proner, a resolução internacional, traduzida em quase todos os idiomas, serviu de modelo aos novos pactos para garantia dos direitos humanos e constituições nacionais que sucederam 1948, ano da ratificação da Declaração.

"De certa forma, é possível afirmar que a Declaração representa a primeira tentativa, bem sucedida, de criar relações entre países em matéria de direitos humanos, construindo o chamado 'sistema universal', tendo em vista a sua progressiva adoção pelos demais estados-membros das Nações Unidas", avalia Proner. "Inegável considerar a importância desse documento como base de referência sempre e quando os direitos humanos sejam ameaçados", completa.

Ela destaca que a Declaração serviu de modelo para que novos tratados e protocolos fossem assinados ao longo destes 60 anos, visando estabelecer dignidade mínima a todos os seres humanos. Segundo dados do Centro de Informações das Nações Unidas para o Brasil (Unic-Rio, na sigla em inglês), com sede no Rio de Janeiro, todos os países-membros da ONU ratificaram ao menos um dos principais tratados em vigor atualmente.

Hoje, apenas uma pequena parcela de governos deixaria às claras o descumprimento dos direitos humanos. Isso porque, a partir da ratificação do documento, os estados passam a ser monitorados por comitês especiais para cumprimento dos artigos descritos nestes tratados. Caso o país rompa com o que foi acordado, ficará sujeito a diversas punições, inclusive de caráter econômico.

Descumprimento
Para Carol Proner, entretanto, a questão dos direitos humanos são desconsiderados quando confrontados aos direitos econômicos. "O que torna o tema controverso (essa relação) é que o arcabouço jurídico internacional - e interno - não logra resistir à lógica destrutiva presente nas relações econômicas e políticas internas e internacionais dominantes. Os direitos humanos quando confrontados aos direitos econômicos - presentes em pactos de comércio, acordos bilaterais ou multilaterais - são tomados como elementos 'alheios' e, em seguida, desconsiderados para o fim da realização do contrato", explica.
Ela também critica a forma como o discurso humanitário é adotado por alguns governos para "restabelecer a paz" em alguns países. "As relações políticas entre países - por vezes completamente mescladas às econômicas - raramente são matizadas pelas boas intenções dos direitos humanos, ousando até mesmo instrumentalizá-los como discurso com o fim de alcançar certos objetivos. Para colocar um exemplo, os casos de 'intervenção humanitária' restam nesse limbo de legalidade, fazendo-nos duvidar da efetividade do restabelecimento da paz por meio da força e, em razão dos complexos arranjos das 'forças de paz', fomentando desconfiança a respeito de suas verdadeiras finalidades".

O doutor em Direito, com ênfase em direitos humanos e cidadania, Clovis Gorczevski, vai além e critica até mesmo a atuação Comissão de Direitos Humanos da ONU. "O pragmatismo a competição e o desemprego não dão espaço para o pensamento, o confronto de idéias, a solidariedade. E, a própria Comissão de Direitos Humanos da ONU, responsável pela elaboração da Declaração Universal e que deveria funcionar como uma esfera fiscalizadora com o intuito de analisar e definir medidas de proteção e promoção dos Direitos Humanos, bem como traçar estratégias de punição às violações cometidas em todo o mundo, tornou-se extremamente seletiva e politizada".

Segundo Gorczevski, o organismo internacional também serviu, ao longo dos anos, como uma espécie de abrigo para algumas nações. "Muitos países faziam parte deste órgão apenas para se autoproteger e evitar repreensões. Em vez de primarem pela proteção dos direitos humanos, seus interesses políticos e econômicos são colocados acima destes direitos", critica. Assim, para ele, um retrospecto histórico demonstra a "inequívoca tendência de condenação aos pequenos países e de raras punições contra as grandes potências influentes".

O professor cita como exemplo a forma como a Comissão tem agido em relação à base norte-americana de Guantánamo, em Cuba, "onde os suspeitos de participação em atos de terrorismo, detidos sem acusação formal, não possuem direito a advogados, mantidos em condições precárias, tem seus mais básicos direitos violados". Embora a ONU tenha pedido várias vezes pelo fechamento da prisão, ela não aplicou duras punições aos Estados Unidos. As Nações Unidas aguarda a posição do presidente eleito do país, Barack Obama, que já anunciou fechar as portas do polêmico centro de detenções, criado na gestão de George W. Bush.


RESUMO DA SÉRIE

No dia 23 de novembro, a série de matérias do O POVO sobre os 60 anos da Declaração dos Direitos Humanos foi iniciada abordando a questão dos direitos da criança. No dia 30, tratou do acesso do cidadão à dignidade mínima. No domingo, 7, foi abordada a questão dos altos custos das guerras e das condições de vida dos refugiados.

CONTEÚDO EXTRA
Principais tratados internacionais
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