sexta-feira, 28 de outubro de 2011

O leito de Procusto

Por Emerson Monteiro

Em cada texto, busco surpresas, o pouco do esperado, somar elementos do conto na crônica, ou da crônica no conto. Uma busca de dizer o que, não sei, recontar coisas ouvidas, vividas, afã de registrar momentos que somem e deixem ecos grudados nas paredes do pensamento.

Sob tais considerações, quero falar em Danastes, estalajadeiro de Eleusis, da mitologia grega, apelidado Procusto – o que significa o Esticador.

Modelo torto de justiceiro do mundo antigo, lá nas terras em que viveu habitavam anões e gigantes. Daí Procusto resolveu consertar as diferentes estaturas dos seus hóspedes a um modo esquisito e cruel.

Na intenção de padronizar o tamanho das pessoas, construiu uma cama na altura dele próprio, do tamanho médio. Quem chegasse à sua casa, nessa cama deveria dormir. Caso não coubesse na medida exata, por ser de estatura superior, teria cortadas as pernas. Na alternativa contrária, de ser pequeno, ver-se-ia esticado até o tamanho do tal leito de Procusto.

Assim, pois, os viajantes desavisados passavam pela experiência horrível de adaptação do corpo à cama, submetidos ao instrumento construído pelo maníaco, dono de uma estalagem à beira do caminho, na lenda grega.

Semelhante prática guarda semelhança com o estilo da suposta justiça praticada sobretudo nos regimes totalitários, ou através das ideologias fundamentalistas, religiosas ou políticas, espalhadas pelo decorrer da História.

Procusto exercitava, de jeito doentio, tipo de nivelamento social equivocado, com isso aplicando justiça particular, coagindo, no tempo e no espaço, a natureza das coisas. Porém suas façanhas mereceram resposta exemplar de Teseu, o famoso herói do Labirinto da Ilha de Creta, que veio de submetê-lo a castigo equivalente, proporcional ao que praticava, transformado que foi de juiz em réu, para sua perdição.

Esse mito sugere algumas reflexões quanto ao cotidiano social dos que agem apenas movidos por questionamentos individuais, no arrepio do direito das gentes ao contraditório, o que permite ouvir ambos os lados das situações.

De acordo com a mitologia, Procusto usava, pois, o mesmo leito para medir suas vítimas, cortando ou espichando seus corpos, em face da medida a elas imposta, homogeneizando-as à força.

Quantos querem sujeitar os semelhantes às dimensões acanhadas, a fim de evitar concorrência e achatar as diferenças inevitáveis, causa de tantas dores nos subsolos deste mundo?! Procustos de plantão, por isso desejam para tudo uma convenção humilhante, invés dos valores infinitos da completa verdade.

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