As manifestações culturais ditas populares são muitas vezes tratadas como objetos exóticos, pertencentes ao passado e que pouco têm a nos dizer. Essa concepção de cultura popular tem sua origem no século XVIII, quando intelectuais da emergente civilização européia passaram a denominar de estranhos os hábitos e ritos, o jeito de ser e de viver das populações pobres. Com isso se estabelecia um profundo abismo entre a cultura das elites, erudita e civilizada, e a cultura dos populares, estranha e primitiva. Pior ainda, a cultura popular era retirada do seu contexto, perdendo o seu significado.
Quero pontuar aqui três aspectos que considero importantes nessa discussão. Inicialmente quando digo cultura não estou me referindo somente às manifestações artísticas. Estou me referindo, sobretudo ao modo de viver de um determinado povo, pois a cultura diz respeito a todos os aspectos da vida do ser humano e não apenas ao artístico.
Em segundo lugar, a produção cultural está localizada socialmente. Assim, quando falo em cultura popular estou me referindo à cultura produzida pelas camadas populares (subalternas). Neste sentido, vale salientar que a cultura popular é fruto, sobretudo das experiências cotidianas empreendidas pelos populares.
Por fim, a cultura é um espaço de conflitos e de aproximações. Espaço de conflitos porque, conforme destaquei, sua produção tem um lugar social. Daí, muitas vezes, o desprezo e/ou o olhar de superioridade das elites (intelectuais, econômicas, religiosas) em relação às manifestações populares. Estas são fruto de uma longa experiência de vida. Para os que as produzem e as vivenciam elas tem um sentido e um significado próprios. Não são meras apresentações artísticas, como um show de um cantor ou de uma banda de forró. Espaço de aproximações porque não existe uma cultura fechada em si mesma ou uma cultura pura. Na realidade as culturas mantêm entre si uma relação de influências mútuas e de mudanças constantes.
Nesse sentido, é preciso ter cuidado para não rotular de relíquias, que devem ser preservadas e guardadas numa redoma, as manifestações da cultura popular. Não é disso que essas manifestações precisam. Elas precisam ser respeitadas nas suas especificidades e nos seus significados. Elas precisam ser respeitadas enquanto expressão de vida de determinados grupos sociais. Infelizmente, nem sempre, é isso o que ocorre. No entanto, o mais interessante é que, independente da vontade de estudiosos, intelectuais, poder público, etc., as manifestações populares continuam existindo e resistindo às tentativas de globalização, destruição e massificação. É a sabedoria popular que teima em sobreviver num mundo cada vez mais dominado pelos interesses do capital e do modismo. Que possamos aprender um pouco com essa sabedoria.
Océlio Teixeira é professor universitário.
(jornal Contraponto)
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