Com uma programação especial durante o mês de novembro, os centros culturais Banco do Nordeste (Fortaleza e Região do Cariri, no Ceará, e Sousa, na Paraíba) prestaram uma homenagem aos 40 anos do surgimento do Tropicalismo (movimento deflagrado por artistas plásticos, cineastas, poetas e músicos). Pode-se dizer que foi na música, a partir do histórico LP “Tropicália ou Panis et Circenses”, lançado em 1967, que o movimento se mostrou mais visível.
No Cariri, a programação incluiu debates, mostra de cinema e shows musicais. Assisti ao colóquio “Tropicalismo no Cariri?”, comandado pelos compositores e cantores Luiz Carlos Salatiel e Abdoral Jamacaru e pelo escritor José Flávio Vieira, com abertura feita pelo professor de Sociologia da URCA, Roberto Marques, autor do livro “Contracultura, tradição e oralidade - (re)inventando o sertão nordestino na década de 70”, que aborda a produção cultural alternativa elaborada pelos artistas locais.
A resposta à pergunta em questão é positiva. Sim, aconteceu um tropicalismo caririal na região do Cariri cearense, cuja uma das principais manifestações foi o Festival da Canção do Cariri.
A convite de Luiz Carlos Salatiel, participei, ao lado de Blandino Lobo, da produção de um filme com depoimentos de remanescentes da época dos festivais caririenses (músicos, compositores, produtores e público), no qual foi incluída a minha opinião. O filme foi mostrado após a apresentação dos debatedores.
Apesar de um público aquém do esperado, o colóquio foi revelador, engraçado e ao mesmo tempo imponentemente sério. O tema é palpitante para aqueles que, como eu, viveram, de alguma forma, o clima mágico, especial, irreverente e moderno que irradiava por ocasião do evento.
O palco era a Quadra Bicentenária, no Parque Municipal. Um pequeno quarteirão da bicentenária cidade do Crato, mas também um espaço de comprovado valor histórico e afetivo. Em frente, a quase cinqüentona Sociedade de Cultura Artística do Crato, que na década de 1970 inaugurou o Teatro Rachel de Queiroz. Na ocasião, foi encenada, pelo lendário Grupo Teatral de Amadores Cratenses (GRUTAC), a peça “A raposa e as uvas”, de Guilherme Figueiredo. Nessa peça, atuaram José Correia e Eloi Teles de Morais, nomes que para qualquer cratense dispensam-se comentários. O poeta Geraldo Urano, autor das apresentações mais vanguardistas (verdadeiros happenings) dos festivais, morava ao lado. A quadra ficava no centro geodésico entre o Bar do Alagoano, na Praça da Sé, e a Boate Arapuca, no vetusto Crato Tênis Clube, bairro do Pimenta. Um ponto simbolicamente eqüidistante entre tradição e o novo, o costume e o modismo.
No meu depoimento, disse que apesar da pouca idade, sempre me sintonizei com o clima do festival. Os primeiros festivais ouvi pelo rádio, transmitidos pela Rádio Educadora do Cariri, porta-voz da Diocese do Crato. Sempre pegava no sono antes do anúncio das músicas classificadas para a grande noite final, sempre num domingo de outubro. Torcia pelo grupo do meu irmão Tobinha (Osvaldo). Primeiramente chamado de Cia. Ltda., e depois de Gitirana, devido a música que emplacou o segundo lugar no festival de 1972. Não conhecia e não tinha lá simpatias por Luiz Carlos Salatiel e Abdoral Jamacaru - verdadeiros papa-festivais, deixando o Gitirana em posições secundárias.
Na primeira vez que fui ver o festival ao vivo, acho que em 1975 (tinha 9 anos), assisti a apresentação do grupo de Geraldo Urano, do qual participava as feras Cleivan Paiva, no violão, e Demontiê (hoje Dellamone, mas naquele tempo era chamado de Cu Preto) na bateria. Geraldo passou todo o tempo da apresentação sentado na beira do palco, lendo um gibi e tomando coca-cola. No final, saiu dançando por toda a extensão da quadra, sob o frenético frevo executado pela banda. Aquilo mexeu comigo e abriu definitivamente minha cabeça para a arte. Caiu a ficha, literalmente.
Bons tempos aqueles.
Ou como dizem os velhos blues-men: “Good times”.
Carlos Rafael Dias é professor do curso de História da Universidade Regional do Cariri – URCA.
(jornal Contraponto)
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