terça-feira, 1 de janeiro de 2008

O Trem da feira

Na minha opinião, os três mais importantes e marcantes fatos, nesse século, para o Cariri, sem dúvida, foram a vinda do trem, da energia de Paulo Afonso e da Universidade. Desses, sobraram dois: a energia e a Universidade.

Do trem, ficaram apenas a lembrança da época de ouro da região e a saudade daquelas viagens bucólicas que propiciava àqueles que iam a vinham de Fortaleza, com direito à recepção nas estações. O trem foi, por muito tempo, uma grande atração, acrescida ainda de aprazível parada em Baturité para comprar as deliciosas bananas e uvas do local. Isso sem falar no seu vagão-restaurante, onde se comia bem e tomava-se uma geladinha.

O trem era o transporte do povo de todas as classes, pois havia vagões de primeira e de segunda. Para o Cariri, trazia estudantes das cidades mais próximas, e, para Fortaleza levava os que iam cursar o ensino superior.

O seu forte, entretanto, era o trem da feira, símbolo de riqueza, pois saía do Cariri carregado de frutas, verduras, batidas, rapaduras e, na época de safra, pequi – abastecendo as cidades que percorria, inclusive parte da Paraíba.

Aí entra o trem de carga. Esse sim, simbolizava nossa pujança econômica. Seus vagões eram disputadíssimos pelos empresários e comerciantes para o transporte de algodão em pluma, em rama e do próprio caroço; da farinha de mandioca, mamona, rapadura, peles e couros – produtos estes dos quais éramos grandes produtores.

Dada a carência de vagões para atender à grande demanda, contam a história de um determinado comerciante que foi à Fortaleza, levando uma correspondência de um político influente do Crato de então para o superintendente da R.V.C., a fim de que este facilitasse mais vagões para atender às suas necessidades. Esse comerciante, dizem ,era muito vivo. De posse da carta-recomendação, ele arquitetou o seguinte: num outro envelope, colocou algumas cédulas de mil cruzeiros. Recebido pelo superintendente, disse que estava ali recomendado pelo líder cratense e que lhe trazia uma carta com essa recomendação; porém, entregou, sabidamente, o envelope com o dinheiro. O superintendente, homem honesto a toda prova, ao abrir o envelope constatou que havia dinheiro e não a recomendação. Deu um esporro no comerciante sabido, e esse, desconfiado, desculpou-se, dizendo que se tratara de engano, pois pegou o envelope errado. Pelo visto, não colou a sabedoria.

Brincadeiras á parte, a verdade é que com o fim do nosso trem, tanto de passageiros como de carga, ficou caracterizado um empobrecimento sem precedentes da nossa região. A grande realidade é que, além das frutas e verduras, varremos também, do mapa de nossa economia, o algodão, a mamona, a farinha, a rapadura, peles e couros, o milho, o arroz, o feijão e a carne, que hoje não produzimos o suficiente para nosso próprio consumo. Vem tudo de outros estados, principalmente de Goiás, Bahia e Pernambuco.

O que sobrou dos produtos primários foram a cana-de-açúcar, que está aí agonizando, e o leite, vendido ao preço de R$ 0,22 o litro. Você tem que vender sete litros para tomar uma cerveja e quatro litros para tomar uma água mineral. Um saco de milho de 60 quilos está sendo hoje cotado entre cinco e seis reais.

Eu só sei que hoje não sobraram nem o trem e muito menos as suas cargas (produção). Somos, presentemente, uma região muito carente e esquecida. A única coisa que aquece a nossa economia é o dinheiro dos aposentados e assalariados no fim e começo de cada mês.

A energia de Paulo Afonso, que foi uma luta inicial também nossa, pouco vem servindo para o fortalecimento da nossa economia. E, finalmente, a nossa Universidade não tem cumprido os seus objetivos por falta de apoio governamental ,a não ser que daqui para a frente mude, pois há promessas do governo do Estado de recobrar seus compromisso para com a região. Neste caso, uma pontinha de esperança ainda existe pelos compromissos, dedicação e prestígio demonstrados pela reitora Violeta Arraes.

Eu só sei que a nossa distância de Fortaleza e da grande Fortaleza, em termos econômicos é muito mais do que 600 quilômetros. E que a nossa representação política, presente e futura, assuma esse Cariri com vontade e sem subserviência.

Alguém, achando tudo isso pouco, ainda estimula a divisão, através da reengenharia geopolítica, nos enfraquecendo e nos desfigurando cada vez mais em oeste e oriental, para facilitar as coisas para eles.

A grande verdade é que não acabaram só com o trem, não. Acabaram com muita coisa, até com nossos entusiasmos, parece.

Que venha logo de volta o nosso trem. Como na poesia “O Cisne” de Júlio Salusse, venha logo, mas que venha ao lado do aquecimento de nossa economia, para juntos, voltarmos a correr nos trilhos do progresso e de um desenvolvimento racional e sustentável. Nada de paternalismo ou demagogia política.


Humberto Mendonça – O texto foi publicado no livro de Humberto Mendonça “As Lições do Tempo e as minhas paixões”, publicado em 2005 com uma coletânea de textos e pensamentos do autor.

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