Caminhar pelas ruas do Município de Milagres é sentir medo. Não é preciso um toque de recolher. A qualquer hora, seja dia, seja noite, a vida dos cidadãos está sob perigo iminente. Mães temem pela vida de seus filhos, especialmente as mais pobres. Seu pavor é que seus filhos não voltem para casa, pois correm o risco de serem violentados pela ação de facínoras que não têm coragem de mostrar seu rosto.
As passeatas, faixas e o movimento pela Paz em Milagres, que antes era silencioso e agora se tornou altissonante, revelam apenas o profundo grau de revolta da população com a insegurança generalizada.
Há algo de podre, muito podre, nesse importante município do Cariri cearense.
O cemitério municipal recebeu, na última semana, mais um hóspede eterno. Chama-se George Araújo Oliveira, um jovem de 22 anos. Antes dele, o vigilante Alcione e o fotógrafo Cícero. O que afinal esses homens fizeram? Isso parece importar pouco. A melhor pergunta deveria ser: o que esses mortos sabiam e, por essa razão, deveriam ser silenciados?
A resposta talvez possa ser dada por um homem: Hellosman Sampaio de Lacerda. Ex-prefeito, homem rico e poderoso, ele freqüentou a CPI da Exploração Sexual de Crianças. Contra ele há processos de abuso sexual contra dois jovens. Em uma das ações, foi condenado por atentado violento ao pudor. À frente de sua casa George Araújo foi espancado. Ele trazia consigo propaganda de um candidato às eleições de 2008. Autor de uma ação contra Hellosman, o assassinado iria depor contra ele nas próximas semanas. O que falaria à Justiça? Agora, só podem ouvi-lo sete palmos de terra.
A Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República, uma Comissão Parlamentar de Inquérito do Congresso Nacional, a Anistia Internacional e agências estrangeiras de proteção aos direitos humanos e das crianças interessaram-se pelo caso de Milagres e de Hellosman, que se encaminha para ser eleito a mais um mandato na Prefeitura. Apenas o Governador Cid Gomes parece manter-se em silêncio em relação a esse doloroso episódio. Suas forças de Segurança Social não foram a público dizer à população de Milagres quais medidas serão tomadas para assegurar paz à comunidade local.
Essa omissão naseabunda estende-se ao Partido do Movimento Democrático Brasileiro no Ceará, cujo dirigente máximo é o deputado federal Eunício Oliveira, homem do Cariri, pai de família respeitável e conhecido por suas posições firmes. O partido deu legenda a Hellosman Sampaio, apesar de sua condenação por crime de moléstia sexual de menores. O partido abriu suas portas a um homem que é apontado nas ruas de Milagres como elo fundamental na escalada de violência ora experimentada, pois mistura desavenças políticas e pessoais em uma sórdida conjuntura de fatores. Se Hellosman é o responsável direto ou indireto pelas mortes de George, Alcione e Cícero, quem o dirá é a Justiça. Fazer essa ilação é algo que não compete a um órgão de imprensa sério. A seu respeito, só é possível afirmar que foi condenado, sem trânsito em julgado, por atentado violento ao puder de jovens rapazes.
Independentemente disso, não é crível que o PMDB, liderado por Eunício Oliveira, tenha oferecido espaço para Hellosman em tais condições. Essa é a constatação que se choca com a História do Partido e do próprio Eunício.
É necessário que as autoridades decidam-se. Ou estão do lado da barbárie e do crime, ou apóiam a revolta da população de Milagres. A cidade mais parece um barril de pólvora prestes a explodir.
Ao cair da noite, em cada lar, em cada residência, um profundo temor percorrerá o coração das mães de Milagres. Esse medo é sentido como o cheiro de podridão que exala a realidade política e de segurança pública na cidade. Ele vem acompanhado de uma pergunta: Quem será a próxima vítima?
EDITORIAL DO JORNAL DO CARIRI
EDIÇÃO DE 05 DE AGOSTO DE 2008.
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