Eu tenho 52 anos.
Eu eu ainda sofro assédio na rua e nos transportes públicos.
Eu já me desvencilhei inúmeras vezes no aperto dos ônibus e metrôs de homens com pau duro roçando em minhas nádegas.
Eu sinto raiva, eu sinto ódio, eu tenho vontade de chutá-los, mas nossa primeira reação é proteger o nosso corpo violado sem nosso consentimento e, instintivamente, empurramos outros para conseguir se afastar do agressor e mudar de lugar e se livrar do abuso.
Isso é cotidiano na vida de todas as mulheres.
Não faz muito tempo, eu fui seguida e brutalmente agredida verbalmente por um homem mais jovem do que eu que me dizia em alto e bom som que iria ‘bater punheta’ com a imagem de minha bunda na mente.
Eu apertei o passo e mesmo assim ele me seguiu por mais de 500 metros na hora do almoço, num dia de chuva e rua deserta me falando os maiores absurdos.
Eu não sabia se o desgraçado estava ou não armado.
Não havia a quem gritar ou pedir socorro.
Era um dia frio e de chuva, eu estava com um vestido cujo comprimento era abaixo dos joelhos, eu estava de casaco.
Meus seios, meu corpo estavam cobertos, só parte de minhas pernas estavam descobertas.
Aos 52 anos eu senti o mesmo asco e o mesmo pavor que senti aos 4 anos, quando minha mãe com meus dois irmãos menores não conseguiu me levar com ela a uma farmácia dentro de uma rodoviária e pediu para um senhor cuidar de mim.
Minha mãe se deslocou com minha irmã, à época um bebê recém-nascido e meu irmão com 1 ano e dois meses de idade poucos metros para entrar na farmácia e comprar antitérmico para meu irmão.
Foi o suficiente, o velho começou a me tocar, chegou a colocar a mão em minha calcinha.
Meu desconforto era visível em todo o meu pequeno corpo de criança, eu tinha vontade de gritar, comecei a chorar, implorando para que a minha mãe viesse logo, sem entender o que estava acontecendo.
Uma mulher ao perceber o abuso chamou a polícia. Essa é uma das memórias mais profundas que tenho da infância.
A cultura do estupro não poupa sequer as crianças.
A cultura do estupro não tem nada a ver com a idade, com as roupas que vestimos, ela tem a ver com a impunidade, com a naturalização da violência contra a mulher, com a relação de poder estabelecida na sociedade entre os gêneros, onde o sexo feminino é visto como objeto sexual e não como ser humano dotado de direitos.
Só a cultura do estupro pode explicar Alexandre Frota teatralizar um estupro em tv aberta sob aplausos e não ter qualquer sanção para o seu ato (leia: Em rede nacional Frota confessa estupro e povo aplaude).
Só a cultura do estupro dá o direito a Alexandre Frota se sentir ofendido com a reação das mulheres após suas declarações em tv aberta e entrar na Justiça contra ativistas que repudiaram aquela excrescência e ainda ameaçá-las no Facebook (veja aqui: Após declaração sobre estupro e ameaça, Alexandre Frota denuncia à polícia ativista que o repudiou).
Só a cultura do estupro permite que a sociedade brasileira continue a admitir as declarações criminosas de Bolsonaro sobre estupro em pleno Congresso Nacional, nas redes sociais nos programas de tv, nas manifestações de rua.
Só a cultura do estupro permite que o ministro da educação do governo provisório e golpista considere que uma figura como Frota tenha contribuições a dar a educação pública brasileira.
Está na hora de os homens discutirem seriamente e agirem contra a cultura do estupro.
Não é possível que aceitemos tamanha violência e barbárie que legitima Michel Temer como primeiro ato de seu governo golpista acabar com a Secretaria das Mulheres, montar um ministério sem nenhum negro, sem nenhuma mulher e acharmos que isso é um ato legítimo.
Não é possível que consideremos que seja um caso isolado a barbárie de 30 homens estuprarem uma jovem e distribuírem fotos e vídeos de seu corpo sangrando nas redes sociais.
Não é possível.
- Site Viomuno
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