domingo, 27 de abril de 2008

36% das cidades com irregularidades em 2004

As chamadas CPIs do Desmonte são recorrentes. Houve uma em 1997, outra 2000 e, de novo, em 2004. Não será surpresa se no próximo ano algum parlamentar aparecer com proposta para mais uma. A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Desmonte leva esse nome devido ao estado de terra arrasada que alguns prefeitos deixam o município depois de sua passagem. Vários deles poderiam se vangloriar, como Átila, o "flagelo de Deus", que gostava de dizer que a grama não voltava a crescer onde pisava o seu cavalo.

Das denúncias apresentadas à Assembléia Legislativa, a CPI do Desmonte de 2004, concluída em 2006, encontrou irregularidades em 34 prefeituras, no período investigado (2001-2004). A de Reriutaba serve como paradigma negativo do desrespeito de administradores com o interesse público. O prefeito da época, Carlos Roberto Aguiar, passeou por vários artigos dos códigos Civil e Penal, tendo a CPI chegado à conclusão que Reriutaba, "sem qualquer dúvida", foi um dos casos "mais graves" apresentados à comissão. Derrotado nas eleições (2004), o prefeito deixou de pagar o salário dos funcionários públicos em outubro e as aulas foram suspensas em novembro. Deixou débitos com a Coelce e Cagece de mais de R$ 600 mil, bens do município foram roubados ou sumiram, carteiras de trabalho foram "esquentadas" e assinaturas foram falsificadas em atas do Conselho Municipal de Alimentação.

Na cidade de Fortaleza, na gestão de Juraci Magalhães, a CPI identificou, nos dois últimos quadrimestres de 2004, a realização de despesas "sem lastro financeiro", ficando um débito de "restos a pagar" para a administração seguinte no valor de R$ 189,751 milhões e, ainda, a "retenção" de recursos arrecadados dos servidores municipais (sem que o repasse fosse feito ao Instituto de Previdência do Município), referente aos meses de outubro a dezembro de 2004. O descaso configurou-se "ato de improbidade administrativa", segundo a Lei de Responsabilidade Fiscal.

Irregularidades
A esses malfeitos, cumulativamente ou não, se pode acrescentar mais, de outros municípios: restos a pagar superiores à disponibilidade deixada em caixa (o que configura desrespeito à Lei de Responsabilidade Fiscal), desativação do Programa de Saúde da Família (PSF), desvio de recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (Fundef), favorecimento em licitação, emissão de cheques sem fundos e sucateamento de bens e veículos.

Houve até o caso do então prefeito de Senador Pompeu, Antônio Clidenor Genuíno de Medeiros, que, inconformado com a vitória da oposição, entregou o prédio alugado onde funcionava a Prefeitura na véspera de deixar o cargo. A CPI anota que bens e documentos do município "foram jogados" em salas do Centro Social Urbano (CSU), para "fazer com que a administração eleita tomasse posse sem que houvesse a mínima infra-estrutura física para trabalhar".

Quando recebeu o relatório, o Tribunal de Contas dos Municípios (TCM) passou a tomar as providências, ampliando as investigações para outras cidades, totalizando 66 processos. Considerando que o Ceará tem 184 municípios, foram verificadas irregularidades administrativas ou problemas mais graves em 36% deles.

Mas o que acontece com os prefeitos que são denunciados? Qual o resultado prático da investigação da Assembléia Legislativa. O papel da CPI se encerra depois de concluído o relatório, que é encaminhado aos órgãos competentes para as providências legais. No caso, os dois mais importantes são o Ministério Público Estadual (MPE) e o TCM. (Plínio Bortolotti)


EMAIS

- O exemplo de Reriutaba, Paraipaba e Choró - ao lado do relatório completo apresentado pelo Tribunal de Contas dos Municípios (TCM) - demonstra a gravidade de uma situação que se repete a cada eleição no Ceará, mas também revela a demora e as dificuldades para se chegar à conclusão dos processos na Justiça.

- Um levantamento completo das providências tomadas pelo Ministério Público Estadual poderia oferecer mais detalhes dos prejuízos irreparáveis causados por administradores relapsos e corruptos, que se aproveitam da lentidão e das brechas da lei para perpetuar os seus malfeitos, alguns de forma reiterada.

- Como os tribunais eleitorais têm dificuldade em barrar a inscrição de candidatos que têm contas a prestar à Justiça, muitas vezes eles voltam a ser eleitos, tornando a praticar as mesmas irregularidades.
Jornal O Povo

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