Um crime contra a humanidade, esquecido nos livros de história do
Brasil, aconteceu há 76 anos. Um massacre que ainda procura suas marcas,
os restos dos mortos e enterrados, em uma cova coletiva na "Mata dos
Cavalos". Um outro crime está ocorrendo agora com a falta de maiores
cuidados na área preservada, palco dessa história.
Da multidão
dizimada, poucos sobreviventes de um oásis criado no meio do sertão, do
Cariri, fértil que fez brotar uma comunidade, liderada pelo beato José
Lourenço, o paraibano que foi acusado de liderar um movimento, de onde
poderia estar nascendo um foco comunista, à época, conforme estudiosos.
Eram apenas agricultores, à procura de alimento, trabalho e chão para
morar. Foram mortos em um suposto bombardeio aéreo. Crianças, adultos e
idosos perderam a vida e derramaram sangue no Caldeirão da Santa Cruz do
Deserto, em Crato. Recentemente foi registrada tentativa de ocupação
ilegal no espaço, tombado pelo patrimônio histórico do Estado.
O
episódio aconteceu em 10 de maio de 1937. A Chapada do Araripe viveu o
dia tenebroso do questionável massacre do Caldeirão, inclusive por
militares da época, do primeiro bombardeio aéreo do Brasil.
O
ataque partiu do Exército Brasileiro e da Polícia Militar do Estado do
Ceará. As chances de sobrevivência não existiram, praticamente. Era um
dia comum como tantos outros, de se cumprir a tarefa coletiva de
trabalho. Todos se ajudavam e o líder do grupo era o homem que, além de
dirigir o povo do Caldeirão, que a cada dia recebia novos moradores,
levava a forte religiosidade, inspirada no Padre Cícero, que deu o
pedaço de terra para o beato morar.
Mas o espaço que hoje abriga a
Igreja Santo Inácio de Loyola, a edificação mais bem preservada da
área, e alguns outros casebres, recentemente virou algo de cuidados
maiores, por denúncias de invasão por parte de um morador, que decidiu
cercar com arame farpado um espaço que diz respeito ao local onde havia a
casa do beato. Uma área um pouco mais alta do sítio, de onde José
Lourenço avistava toda a pequena vila que se formou.
Caminho
O
caminho que leva ao Caldeirão é uma forma de reavivar na memória umas
das pessoas experiências exitosas em comunidade rural, que terminou em
tragédia e o sumiço de centenas de pessoas. Oficialmente cerca de 400
pessoas foram assassinadas. Extra-oficial, mais de mil, com os ataques
aéreos.
Este ano, acontece a 14ª Romaria das Comunidades de Base
ao Caldeirão, no mês de setembro. No local, se pretende há vários anos,
desenvolver projetos que estimulem o turismo, com base histórica dos
fatos que ocorreram no sítio.
Os moradores atuais do Caldeirão
são apenas um casal e seus filhos. Estão lá, mantidos pela administração
do Crato, e também ajudam a cuidar do pouco do patrimônio edificado que
ainda resta de uma história, que segundo a antropóloga Luitgarde
Barros, tem uma grande relevância nacional para movimentos sociais
insurgentes do Brasil, a exemplo de Canudos, e tantos outros que
ocorreram, mas um fato que continua sendo ignorado pela história
oficial.
Segundo a Secretária de Cultura, Esporte e Juventude do
Crato, Dane de Jade, a meta agora é desenvolver um projeto que realmente
esteja associado, de forma técnica, e que valorize a história do
Caldeirão.
Cerca
A secretária Dane de
Jade tomou conhecimento de um homem que queria ocupar o espaço e inserir
uma cerca, principalmente usando uma das estacas dos escombros da casa
que pertenceu ao beato. A área do terreno foi tombada pelo Conselho
Estadual do Patrimônio (Coepa).
Por conta disso, técnicos da
Secretaria de Cultura do Estado, no último dia 25, foram ao Sítio
Caldeirão para verificar o que estava ocorrendo e constataram morador
fazendo uma cerca por cima das pedras de fundação da casa do beato, na
estrada de acesso ao sítio. O patrimônio tombado está inscrito às folhas
81 e 82 do Guia dos Bens Tombados do Estado do Ceará. A área pertence à
Prefeitura de Crato, por desapropriação, processo realizado para dar
condição do tombamento ao sítio.
Segundo o técnico, Otávio
Menezes a ação de "invasão a um bem público" é ilegal e se inscreve como
verdadeiro processo de mutilação do bem tombado cujas penalidades estão
previstas na Lei 13.465, de preservação dos patrimônios tombados,
(Artigos 4, §§ 3º e 4º). Foi solicitado pelos técnicos que a Secretaria
da Cultura do Estado do Ceará remetesse ofício ao Ministério Público
Estadual informando sobre a situação e a necessidade de medidas
emergenciais para esclarecer os fatos, conter o processo de invasão e
mutilação dos bens tombados e, se for o caso, criminalizar na forma da
lei a prática do que se configurar como atentado ao Patrimônio.
Projeto de parque ainda está no papel
Crato.
O projeto de Revitalização do Parque Histórico do Caldeirão da Santa
Cruz do Deserto há vários anos aguarda sair do papel. Há apenas o que a
secretária de Cultura, Dane de Jade, chama de um espaço, que deveria ser
um museu, foi construído no meio do terreno, de forma completamente
aleatória. Ela disse que a Secretaria está desenvolvendo um projeto, com
avaliações de técnicos especializados, que realmente esteja dentro dos
padrões de uma área tombada, respeitando todos os preceitos,
relacionados à história do Caldeirão.
A ideia original de
valorização do Caldeirão, no contexto de preservação do sítio histórico,
partiu do cineasta Rosemberg Cariry. Ele foi secretário de Cultura do
Crato e fez um filme sobre a história da comunidade dizimada, "Caldeirão
da Santa Cruz do Deserto". O memorial não foi erguido, e continua no
mesmo patamar de esquecimento na maior parte do ano. Durante este ano,
segundo conta o historiador Sandro Leonel, até mesmo no espaço que
raramente faltava água, os chamados caldeirões de pedra, chegou secar
depois de décadas.
O Caldeirão fica numa localidade a 30
quilômetros do centro do Crato, incluindo 12 de estrada carroçável. Foi
para lá que o beato, negro, pobre e analfabeto, recebeu a terra como
lida e teve morada com os seus primeiros seguidores. A área foi dada
pelo Padre Cícero. José Lourenço chegou ao Ceará por volta das 1890.
Veio como tantos outros sertanejos do Nordeste, em busca de auxílio do
"padrinho". A comunidade que surgiu no sítio Baixa Dantas, continuou na
fazenda Caldeirão da Santa Cruz do Deserto. Há necessidade de se fazer
uma orientação e conscientização das pessoas quanto ao espaço tombado,
como o Caldeirão, conforme a secretaria de Cultura, Dane de Jade. Ela
afirma que a área precisa de uma requalificação e, no que se refere à
casa, todo o trabalho de escavação deve ter o acompanhamento de
arqueólogo. Seria uma espécie de espaço proposto para o museu, mas
abrindo um diálogo com as pessoas. Para isso, tem que ser visto de que
forma vai ser aproveitada a obra.
Para a secretaria, o que houve
foi uma construção equivocada e num espaço inadequado. "Na verdade, é um
espaço físico que não tem consistência de um museu", explica ela.
Segundo
Dane, a própria família que mora do espaço e salvaguarda o patrimônio
nunca foi capacitada com esta finalidade e pouco conhece sobre a
história. Mas foram eles que informaram sobre o movimento estranho dos
moradores que querem se apossar de área do sítio.
Como forma de
valorizar a experiência coletiva do Caldeirão, Dane de Jade diz que é
importante que o espaço tenha o acolhimento para o turismo, com
infraestrutura necessária.
Mais informações:
Secretaria de Cultura do Crato Centro Cultural do Araripe, S/N
Crato - CE
Telefone: (88) 3523.2365
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