domingo, 19 de maio de 2013

TERRENO DO SÍTIO CALDEIRÃO ESTÁ SOB AMEAÇA DE INVASÃO

Um crime contra a humanidade, esquecido nos livros de história do Brasil, aconteceu há 76 anos. Um massacre que ainda procura suas marcas, os restos dos mortos e enterrados, em uma cova coletiva na "Mata dos Cavalos". Um outro crime está ocorrendo agora com a falta de maiores cuidados na área preservada, palco dessa história.

Da multidão dizimada, poucos sobreviventes de um oásis criado no meio do sertão, do Cariri, fértil que fez brotar uma comunidade, liderada pelo beato José Lourenço, o paraibano que foi acusado de liderar um movimento, de onde poderia estar nascendo um foco comunista, à época, conforme estudiosos. Eram apenas agricultores, à procura de alimento, trabalho e chão para morar. Foram mortos em um suposto bombardeio aéreo. Crianças, adultos e idosos perderam a vida e derramaram sangue no Caldeirão da Santa Cruz do Deserto, em Crato. Recentemente foi registrada tentativa de ocupação ilegal no espaço, tombado pelo patrimônio histórico do Estado.

O episódio aconteceu em 10 de maio de 1937. A Chapada do Araripe viveu o dia tenebroso do questionável massacre do Caldeirão, inclusive por militares da época, do primeiro bombardeio aéreo do Brasil.

O ataque partiu do Exército Brasileiro e da Polícia Militar do Estado do Ceará. As chances de sobrevivência não existiram, praticamente. Era um dia comum como tantos outros, de se cumprir a tarefa coletiva de trabalho. Todos se ajudavam e o líder do grupo era o homem que, além de dirigir o povo do Caldeirão, que a cada dia recebia novos moradores, levava a forte religiosidade, inspirada no Padre Cícero, que deu o pedaço de terra para o beato morar.

Mas o espaço que hoje abriga a Igreja Santo Inácio de Loyola, a edificação mais bem preservada da área, e alguns outros casebres, recentemente virou algo de cuidados maiores, por denúncias de invasão por parte de um morador, que decidiu cercar com arame farpado um espaço que diz respeito ao local onde havia a casa do beato. Uma área um pouco mais alta do sítio, de onde José Lourenço avistava toda a pequena vila que se formou.

Caminho
O caminho que leva ao Caldeirão é uma forma de reavivar na memória umas das pessoas experiências exitosas em comunidade rural, que terminou em tragédia e o sumiço de centenas de pessoas. Oficialmente cerca de 400 pessoas foram assassinadas. Extra-oficial, mais de mil, com os ataques aéreos.

Este ano, acontece a 14ª Romaria das Comunidades de Base ao Caldeirão, no mês de setembro. No local, se pretende há vários anos, desenvolver projetos que estimulem o turismo, com base histórica dos fatos que ocorreram no sítio.

Os moradores atuais do Caldeirão são apenas um casal e seus filhos. Estão lá, mantidos pela administração do Crato, e também ajudam a cuidar do pouco do patrimônio edificado que ainda resta de uma história, que segundo a antropóloga Luitgarde Barros, tem uma grande relevância nacional para movimentos sociais insurgentes do Brasil, a exemplo de Canudos, e tantos outros que ocorreram, mas um fato que continua sendo ignorado pela história oficial.

Segundo a Secretária de Cultura, Esporte e Juventude do Crato, Dane de Jade, a meta agora é desenvolver um projeto que realmente esteja associado, de forma técnica, e que valorize a história do Caldeirão.

Cerca
A secretária Dane de Jade tomou conhecimento de um homem que queria ocupar o espaço e inserir uma cerca, principalmente usando uma das estacas dos escombros da casa que pertenceu ao beato. A área do terreno foi tombada pelo Conselho Estadual do Patrimônio (Coepa).

Por conta disso, técnicos da Secretaria de Cultura do Estado, no último dia 25, foram ao Sítio Caldeirão para verificar o que estava ocorrendo e constataram morador fazendo uma cerca por cima das pedras de fundação da casa do beato, na estrada de acesso ao sítio. O patrimônio tombado está inscrito às folhas 81 e 82 do Guia dos Bens Tombados do Estado do Ceará. A área pertence à Prefeitura de Crato, por desapropriação, processo realizado para dar condição do tombamento ao sítio.

Segundo o técnico, Otávio Menezes a ação de "invasão a um bem público" é ilegal e se inscreve como verdadeiro processo de mutilação do bem tombado cujas penalidades estão previstas na Lei 13.465, de preservação dos patrimônios tombados, (Artigos 4, §§ 3º e 4º). Foi solicitado pelos técnicos que a Secretaria da Cultura do Estado do Ceará remetesse ofício ao Ministério Público Estadual informando sobre a situação e a necessidade de medidas emergenciais para esclarecer os fatos, conter o processo de invasão e mutilação dos bens tombados e, se for o caso, criminalizar na forma da lei a prática do que se configurar como atentado ao Patrimônio.

Projeto de parque ainda está no papel

Crato.
O projeto de Revitalização do Parque Histórico do Caldeirão da Santa Cruz do Deserto há vários anos aguarda sair do papel. Há apenas o que a secretária de Cultura, Dane de Jade, chama de um espaço, que deveria ser um museu, foi construído no meio do terreno, de forma completamente aleatória. Ela disse que a Secretaria está desenvolvendo um projeto, com avaliações de técnicos especializados, que realmente esteja dentro dos padrões de uma área tombada, respeitando todos os preceitos, relacionados à história do Caldeirão.

A ideia original de valorização do Caldeirão, no contexto de preservação do sítio histórico, partiu do cineasta Rosemberg Cariry. Ele foi secretário de Cultura do Crato e fez um filme sobre a história da comunidade dizimada, "Caldeirão da Santa Cruz do Deserto". O memorial não foi erguido, e continua no mesmo patamar de esquecimento na maior parte do ano. Durante este ano, segundo conta o historiador Sandro Leonel, até mesmo no espaço que raramente faltava água, os chamados caldeirões de pedra, chegou secar depois de décadas.

O Caldeirão fica numa localidade a 30 quilômetros do centro do Crato, incluindo 12 de estrada carroçável. Foi para lá que o beato, negro, pobre e analfabeto, recebeu a terra como lida e teve morada com os seus primeiros seguidores. A área foi dada pelo Padre Cícero. José Lourenço chegou ao Ceará por volta das 1890. Veio como tantos outros sertanejos do Nordeste, em busca de auxílio do "padrinho". A comunidade que surgiu no sítio Baixa Dantas, continuou na fazenda Caldeirão da Santa Cruz do Deserto. Há necessidade de se fazer uma orientação e conscientização das pessoas quanto ao espaço tombado, como o Caldeirão, conforme a secretaria de Cultura, Dane de Jade. Ela afirma que a área precisa de uma requalificação e, no que se refere à casa, todo o trabalho de escavação deve ter o acompanhamento de arqueólogo. Seria uma espécie de espaço proposto para o museu, mas abrindo um diálogo com as pessoas. Para isso, tem que ser visto de que forma vai ser aproveitada a obra.

Para a secretaria, o que houve foi uma construção equivocada e num espaço inadequado. "Na verdade, é um espaço físico que não tem consistência de um museu", explica ela.

Segundo Dane, a própria família que mora do espaço e salvaguarda o patrimônio nunca foi capacitada com esta finalidade e pouco conhece sobre a história. Mas foram eles que informaram sobre o movimento estranho dos moradores que querem se apossar de área do sítio.

Como forma de valorizar a experiência coletiva do Caldeirão, Dane de Jade diz que é importante que o espaço tenha o acolhimento para o turismo, com infraestrutura necessária.

Mais informações:
Secretaria de Cultura do Crato Centro Cultural do Araripe, S/N
Crato - CE
Telefone: (88) 3523.2365

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