Não seria diferente dizer que a janela não passa de um vazio, um vácuo na parede. Um vazio/vácuo que permite ao quarto e a toda moradia receberem os elementos que nutrem a existência. Raios de luz e notas de melodia que, a partir do exterior, reavivam o ambiente pesado do interior. Purificam o mofo e teias de aranha acumuladas ao longo dos anos. Talvez seja o prisioneiro quem mais sente isso de perto e na pele: seu corpo, mente e alma estão suspensos das "notícias” que podem chegar através da janela. Disso alimenta o fio de esperança que lhe resta, vivifica um organismo que, encerrado entre quatro paredes, tende à necrosia.
Mas a janela contém outro segredo: quanto mais aproximamos o nariz e o olhar do vidro (ou das grades) que a protegem, mais se amplia o raio de visão. Alarga-se a paisagem a ponto de incluir todo campo visível a partir dessa perspectiva. E inversamente, quanto mais nos afastamos da janela e nos recolhemos ao fundo escuro da casa, mais se reduz o contato com o mundo, bem como toda e qualquer possibilidade de um intercâmbio que rejuvenesce e enriquece.
Quem sabe a Vida Religiosa Consagrada (VRC) não seja chamada, em sua identidade mais profunda, a ser uma janela para a vida, a vida em Cristo? Assim escrevem Marko I. Rupnik e Maria Campatelli no livro "Vedo un ramo di mandorla – Riflessione sulla vita religiosa”:
"Esvaziando o seu coração e não deixando ali senão sua relação com Deus, o religioso torna-se uma janela para a Igreja e para o mundo, através da qual passa o esplendor do tempo estatológico, deste reino futuro que, todavia, já está presente entre nós. E isso ilumina todas as coisas com uma luz que não existiria se o buraco fosse murado. O religioso é esse buraco no muro,através do qual o futuro se explica não com argumentos racionais, mas como uma epifania, uma manifestação de vida”.
Entretanto, se a janela se fecha e se encerra sobre si mesma – mutismo, isolamento, autossuficiência, arrogância – torna-se opaca e incapaz de refletir os raios do sol. Impede a entrada da luz de Deus, o que equivale a impedir a ação do Espírito Santo sobre as atividades pessoais e comunitárias.
Prevalecerão, nesses caso, as obras de um ativismo ou de um individualismo suspeitos, onde se ocultam tantos nós e impasses não resolvidos da VRC. Prevalecerão igualmente os projetos marcadamente "personalizados”, com nome e sobrenome próprios, os quais tendem a desaparecer com a transferência ou morte do seu idealizador. E prevalecerão, no fim da linha, instintos, interesses e paixões efêmeras, ligadas à satisfação imediata dos próprio interesses.
Instala-se então o império do presente, que tenta apagar a memória e, ao mesmo tempo, desconhece a preocupação com o amanhã. Tudo converge para satisfazer o prazer do aqui e agora, míope e cego tanto em direção ao passado quanto em direção ao futuro. Impõe-se com toda força o domínio do hoje, absolutizando as estruturas atuais, em detrimento da irrupção do Espírito que sempre abre novos caminhos e novos horizontes no sertão bruto da história.
Tal como a janela, o religioso é convidado ao processo de kenosis de Jesus. Desnuda-se de seu próprio "ego”, permitindo assim que a luz de Deus entre na alma e na casa, agindo através da pessoa e da comunidade, imprimindo suas digitais no pergaminho vivo e libertador da história.
Pe. Alfredo J. Gonçalves
Publicado no Site da Adital
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