domingo, 2 de março de 2014

Mulheres avançam no poder na AL e Europa


Sem vez e sem voz. Em que pese o século XXI de avanços tecnológicos, as mulheres ainda não alcançaram o clamor dos movimentos feministas - atuantes a partir da década de 1960 - pela equidade de gênero. Os espaços na política, muito mais do que no mercado de trabalho, estão longe da igualdade em números. A desvalorização persiste e o preconceito também.
O debate se fortalece no mês dedicado a elas. E o caminho aponta para a evolução no trato com as mulheres a propósito do surgimento de movimentos da própria sociedade em defesa dos direitos femininos. Ações essas que foram desmaterializando o status: pessoas do sexo feminino nos afazeres domésticos e masculino na política. Questionam lugares e adentram academias. Trata-se de uma ordem social naturalizada não biológica, e, sim, cultural.
Na contramão da lógica machista, chefes de Estado, ministras, deputadas, vereadoras e prefeitas já se consolidam em meio ao universo antes masculino da política. O Brasil conta com uma mulher no posto maior, a presidente Dilma Rousseff. Outras alcançaram elevados patamares, como a premiê alemã Angela Merkel e as presidentes do Chile e da Argentina, Michelle Bachelet e Cristina Kirchner, respectivamente.
Igualdades
A partir dos discursos feministas (de luta pela emancipação), as gerações se apropriaram das ideias e se organizaram a fim de garantir igualdades sociais com ou sem consciência e militância.
Segundo a professora da Universidade Federal do Ceará (UFC), Gema Galgani, a academia e os movimentos sindicais foram responsáveis pelo despertar para o pensamento libertário. "As mulheres começaram a perceber que podiam ir além do mundo doméstico, descobrindo o trabalho e a capacidade de ocupar cargos de alto poder. Esse é um debate da década de 1980", narra.
Contudo, o grande avanço veio sem que algumas mulheres de posição de destaque tivessem a compreensão do discurso feminista, como lembra Gema. Em certos casos, elas deram prosseguimento à política familiar. Assumiram vagas deixadas pelos maridos e pais, por exemplo. Há exemplo claros hoje de herança familiar na política, como o da presidente da Argentina Cristina Kirchner, sucessora do seu marido Néstor Kirchner.
No Ceará, muitas entraram em exercício político para dar continuidade ao poder do clã, porém a ex-prefeita de Fortaleza Maria Luiza Fontenele quebra esse modelo, sendo a primeira mulher a ingressar na política com ideias feministas e com militância.
Por outro lado, há atuantes embasadas pelos ideais feministas. A exemplo da presidente Dilma Rousseff. "Ela fortaleceu a Secretaria de Políticas para as Mulheres e colocou uma integrante da segunda onda do feminismo brasileiro à frente do órgão - a ministra Eleonora Menicucci de Oliveira. A presidente é feminista no discurso e na prática", destaca a professora.
Apesar dos avanços, os desafios para a emancipação feminina ainda são muitos. Conforme Gema, continua sendo difícil para a mulher ocupar espaços na sociedade. Isso porque temos vários sistemas - político, econômico e de gênero - patriarcais. "As normas que regem a política ainda são masculinas".
A exemplo dos partidos políticos que sequer seguem o sistema de cotas de 30% de participação feminina. "O patriarcado permanece presente na materialidade do funcionamento da sociedade. A cultura e a religião também influenciam no tratamento da mulher", reforça. Daí o 8 de março ser tão importante, como considera Gema.
Princípio
A origem da subordinação feminina remonta à proteção da "reprodutora" em tribos indígenas. "A mulher, para esse povo, necessitava ser preservada de ir à caça e à guerra. Assim, foram surgindo as tarefas e funções relacionadas ao espaço que elas habitavam", conta.
Entretanto, a professora atenta para a os avanços nas últimas duas décadas. "O governo e as entidades internacionais, como a ONU (Organização das Nações Unidas), assumiram a luta das mulheres que hoje contam com assento nesses órgãos". A Secretaria de Políticas para Mulheres, criada em 2003, investe em ações específicas em busca da equidade de gêneros.
De acordo com a titular de articulação institucional e ações temáticas da Secretaria de Políticas para as Mulheres, Vera Soares, um dos temas tratados pela Pasta é justamente o incentivo para que mais pessoas do sexo feminino adentrem as câmaras, Senado e ocupem o Executivo. Para tanto, existe a campanha "Mais Mulheres no Poder", uma articulação para fazer com que os partidos respeitem a cota mínima de participação feminina nas eleições.
A mobilização oferece uma plataforma com um conjunto de reivindicações. Uma das propostas é impulsionar uma reforma política que tem, em seu bojo, o aumento do percentual das vagas nas instituições partidárias para 50%, além de mais equidade no financiamento público de campanha.
A cota praticada hoje é proveniente de uma minirreforma eleitoral de 2009 que estabeleceu que, de fato, as mulheres compusessem as listas dos partidos, além da garantia de 10% do tempo de propagandas eleitorais.
O trabalho da Secretaria visa também a luta pelo repasse de 10% do fundo partidário para capacitação de possíveis candidatas. "As mulheres têm interesse em política. Os partidos é que precisam possibilitar seus engajamentos. No panorama geral, obtivemos ganhos, mas ainda precisamos evoluir", finaliza.
Participação política ainda está a quém
O avanço das mulheres é menos concreto do que a própria população deseja, sobretudo no que concerne à participação política. A visão é da socióloga e conselheira do Instituto Patrícia Galvão, Fátima Pacheco Jordão. O Brasil ocupa o 121º lugar com relação à participação das mulheres na política em um ranking de 189 países. Iraque e Afeganistão, por exemplo, possuem mais pessoas do sexo feminino no poder do que o Brasil. Situação contrastante com a posição de oitavo lugar na economia mundial que o País ocupa.
Os números são preocupantes. Na Câmara Federal, de 513 deputados, apenas 47 são mulheres. Já no Senado, de 81 parlamentares, oito são do sexo feminino exercendo mandato. No Executivo, o Brasil conta somente com duas governadoras no universo de 27 estados.
A necessidade é de uma reforma política que atue na garantia de percentuais maiores de pessoas do sexo feminino nas listas partidárias, como indica a socióloga. De acordo com pesquisa realizada pelo Instituto Patrícia Galvão, 78% concordam que os partidos devem apresentar candidatos divididos meio a meio por gênero. E 75% admitem que só há democracia se mulheres estiverem a frente das decisões.
A socióloga lembra que hoje no País não é fácil que uma mulher consiga respeito e ocupação, por méritos próprios, de uma alto cargo público. O caso da presidente Dilma Rousseff é atípico. "Ela foi eleita no bojo de uma administração do PT, do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, aprovada pela população, mas não foi escolhida pelo partido". Dificilmente teremos, no modo de ver de Fátima Jordão, um caso no Brasil de uma candidata que seja eleita por processo partidário.
A conselheira cita o pesquisador José Eustáquio Diniz ao dizer que "se o atual ritmo de participação feminina se mantiver, levaremos 150 anos para adquirir paridade". O mais grave de tudo é que a desigualdade de gênero impede que o País cresça, como ressalta Fátima. "Hoje temos um déficit de participação feminina na política brasileira".
De acordo com a especialista, todos os outros países latinoamericanos estão a frente do Brasil. "Isso mostra que, relativamente, lideranças políticas fortes eleitas por coligações partidárias atravancam o desenvolvimento do Brasil", pontua.
Para ela, não é o eleitor que obstaculiza a ocupação de cargos públicos por mulheres, mas os partidos. Mais de 60% da população brasileira votam em candidatas. Porém, elas não entram na disputa eleitoral por falta de incentivo. "Esperava-se que elas se lançassem mais como possíveis vereadoras e prefeitas".
Os partidos de esquerda são os que mais apoiam candidaturas femininas, como aponta a socióloga. O problema é que as agremiações usam de estratagemas para descumprir a cota de 30% de participação feminina prevista por lei, como a criação de comissões para compor esse percentual.
Lina Moscoso
Repórter
Retrospectiva
Desde a década de 1940, elas ocupam cargos
A primeira mulher a ocupar o cargo de presidente foi na República de Tuva (Rússia), em 1940, a líder Khertek Anchimaa-Toka, falecida em 2008 aos 96 anos. Já no cargo de Primeira-Ministra a primeira a ocupá-lo foi Sirimavo Bandaranaike (1916-2000) no Sri Lanka de 1960 a 1965 e em mais duas ocasiões de 1970 a 1977 e de 1994 a 2000. Já no Brasil, a primeira chefe de Estado da história foi D. Maria I, Rainha Reinante do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, em 1815, quando o Brasil deixou de ser Colônia Portuguesa, tendo o Rio de Janeiro como Capital. Nos últimos 40 anos, houve dez presidentes mulheres na América Latina. Atualmente, estão no poder Dilma Rousseff (Brasil), Cristina Kirchner (Argentina), Michelle Bachelet (Chile) e Laura Chinchilla (Costa Rica). Outros nomes que já assumiram cargos são de Isabel Martínez de Perón (Argentina), Lidia Gueiler Tejada (Bolívia), Ertha Pascal-Trouillot (Haiti) e Violeta Chamorro (Nicarágua).
Diário do Nordeste

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