O presidente interino Michel Temer poderia ter começado assim a reunião de quarta-feira em que entregou aos líderes aliados a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que congela o crescimento do gasto público por 20 anos: “Prezados, vou encolher o Brasil”. A PEC suprime as vinculações de receita para saúde e educação e faz outras maldades, inclusive com deficientes e velhos pobres e sem previdência, ao restringir o acesso ao benefício da Lei Orgânica da Assistência Social, a LOAS.
Vamos por partes.
A maldade maior é inserir na Constituição uma regra de política econômica ordinária, que um presidente pode adotar para seu governo mas não para os governos que virão. Uma coisa é reformar regras fixadas pela Constituinte de 1988, ou mesmo por emendas posteriores, que se tornaram incompatíveis com a realidade atual. Pode até ser o caso da Previdência ou das vinculações de receita para educação e saúde, ainda que isso represente um retrocesso. Outra, bem diferente, é introduzir na Carta receitas de política econômica ordinária, próprias de cada governo. O teto para o gasto público não precisa e não deve ser constitucionalizado, obrigando governos do futuro, se quiserem desengessar o Estado, a aprovar nova emenda constitucional.
A segunda maldade fundamental é fixar, na Constituição – que deve ser um documento perene e não sujeito a mudanças sazonais – a vigência deste teto por 20 anos, o que representa uma invasão das prerrogativas dos próximos presidentes. A PEC, se aprovada, será uma espécie de mão longa de Temer sobre governos que ainda nem foram eleitos mas nascerão manietados. Talvez Temer e o PMDB tenham, como os tucanos no passado, um “projeto de poder” para 20 anos. Ambição política e chá de cidreira toma-se o quanto quer. Mas nem Temer, em sua condição atual de interino, nem qualquer presidente saído das urnas, tem legitimidade e autoridade para moldar assim as ações dos sucessores.
Se Temer quer fixar o teto de gastos para seu mandato, deveria esperar o resultado do impeachment, e sendo efetivado, adotar a regra para vigorar até 2018. E não através de emenda constitucional. Renan Calheiros, presidente do Senado, expressa a perplexidade de parte do Congresso com o engessamento do futuro, por tão longo tempo, quando defende que a PEC só seja votada depois da decisão de agosto. O governo já conta com uma redução do prazo pelos congressistas mas pode ser que eles também achem que a matéria é ordinária, não devendo ser constitucionalizada.
Agora, tratemos do encolhimento do Brasil. O objetivo do congelamento do gasto é fazer com que, no final dos 20 anos, ou seja, em 2036, o Estado volte a gastar, em proporção do PIB, o que gastava no final da era FHC, 1,34% do PIB. Este indicador subiu na era Lula para algo em torno de 17%, e com Dilma atingiu os atuais 19%. Nesta expansão há juros e gastança geral mas nela estão incluídos os gastos do Estado com todas as políticas sociais que permitiram a maior correção da desigualdade econômica e social de todos os tempos. É óbvio que elas ficarão comprometidas se o Estado brasileiro for encolhido ao padrão do final dos anos 90. Está claro que o Brasil não cabe neste teto, e se forçado a submeter-se a ela, produzirá mais pobreza e mais desigualdade. E em algum momento, estará criada a necessidade de uma privatização avassaladora para gerar recursos.
Com a PEC aprovada, o governo imagina o déficit primário (gastos que ultrapassam a receita) sendo superado lá por 2022. Esta futurologia é uma expressão acabada da arrogância dos economistas. Ninguém sabe o quanto a economia vai crescer, que fatores internos e externos vão impactar o Brasil neste futuro que a PEC de Temer quer moldar. Para alguns economistas, um ajuste severo com um aumento de impostos temporário poderia promover um reequilíbrio em mais curto prazo, restabelecendo a confiança e o crescimento sem jogar tão arriscadamente com o futuro.
Com o Estado impedido de gastar mais – embora a população sempre cresça e suas necessidades também – o que se pode projetar é a piora na oferta de serviços como educação, saúde, saneamento e promoção social. A emenda já encolhe gastos nesta área. Hoje, há porcentagens fixas da receita destinadas a educação e saúde. Com a PEC, a vinculação deixa de existir, passando a valer como piso o gasto atual, corrigido pela inflação. A alma do velho senador João Calmon, que tanto lutou por sua emenda reservando 25% das receitas para educação, deve estar amaldiçoando o PMDB, no qual ingressou decepcionado com o PDS. A emenda dele foi sendo aprimorada foi foi a base para o crescimento do gasto com educação. A PEC de Temer prevê punições para governantes que furem o teto. Não um impeachment mas certas restrições.
Sobra até para velhos e deficientes
E seguem-se as maldades aparentemente menores para reduzir gastos.
Uma delas, restrições para o acesso ao chamado BPC – Benefício de Prestação Continuada, garantido pela LOAS – Lei Orgânica da Assistência Social. O BPC de um salário-mínimo é pago a velhos sem renda e pessoas com deficiência quando a renda familiar não ultrapassa um quarto do salário-mínimo. Ou seja, a renda da família dividida pelo número de membros não pode ser maior que R$ 220,00. Logo, estamos falando de gente muito pobre mas o benefício será bem restringido agora.
Uma alegria de pobre que vai acabar é o abono do PIS-Pasep, pago anualmente aos que ganharam no máximo cinco salários-mínimos no ano anterior, com carteira assinada (não inclui domésticos). É com este dinheiro extra que muitos pagam dívidas e atendem às necessidades que não cabem no salário-mensal. Vai acabar.
Muita coisa do Brasil recente vai acabar. Talvez acabe o Brasil, tal qual o conhecemos hoje, depois que atravessarmos, mas no sentido inverso da expressão, a “Ponte para o Futuro”, documento programático do PMDB que ajudou a garantir a eleição indireta de Temer sob a aparência de impeachment.
- Por Tereza Cruvinel
No site Brasil 247
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