terça-feira, 1 de abril de 2014

50 anos do Golpe Militar no Brasil: a busca por justiça

Quase 30 anos se passaram desde que o país finalmente se viu livre da ditadura militar e dos abusos perpetrados por esse sistema de governo. Desde que a sociedade civil, juntamente com pessoas famosas do meio artístico e político, saiu às ruas para pedir o fim do regime militar e eleições diretas para presidente, vivemos em uma democracia.

A ditadura deixou um saldo muito alto de mortos e desaparecidos. Além disso, muitas pessoas foram torturadas e exiladas do país. Com o intuito de apurar essas graves violações dos direitos humanos cometidas durante a época do regime militar brasileiro foi instituída, no dia 16 de maio de 2012, a Comissão Nacional da Verdade (CNV). Contudo, essa Comissão, criada pela Lei 12528/2011, tem recebido críticas, principalmente das vítimas da repressão.

"Essa Comissão da Verdade, para mim, é uma farsa, foi formada pela presidente [da República] Dilma pra dar uma satisfação aos organismos internacionais de direitos humanos, mas ela não jogou pesado, inclusive nomeou gente da direita nessa comissão. Então, tem gente até do PSDB, tem juiz que nunca compareceu a uma reunião. (...). Começa pelo prazo de que ela tem dois anos para apreciar processos de décadas. Pra mim essa comissão foi uma farsa. O próprio nome ‘memória e verdade’, e para por aí. Porque tem só este ano de 2014 para concluir seus trabalhos e não vai pedir a punição de ninguém. Por essa comissão não se chegará à etapa da justiça. (...). Os comitês sim tem uma função muito importante e, na minha opinião, eles devem ir além dessa Comissão. Encerrados os trabalhos, na minha opinião, os Comitês devem continuar insistindo pela justiça”, afirma Valter Pinheiro, ex-preso político e membro do Comitê de Memória, Verdade e Justiça do Estado do Ceará.

De fato, segundo Lúcia Alencar, também membro do Comitê, a CNV foi criada e gestada para apenas tornar os casos de tortura e abusos conhecidos, para que esses casos não sejam esquecidos, "A Comissão Nacional da Verdade não tem caráter punitivo, ela foi pensada dessa forma, gestada dessa forma, mas, em seu relatório final, a CNV deve fazer algumas recomendações quanto à questão da justiça, porque isso é importante para nós (comitês), para a continuação dessa luta, e isso foi aceito em uma reunião realizada entre comitês e a CNV no começo do ano”.

Lúcia, que é sobrinha de Frei Tito de Alencar, sacerdote e ex-preso político cruelmente torturado, que ganhou notoriedade no Brasil por sua luta contra a ditadura, e pela forma como faleceu no exílio – informações oficiais divulgam que Frei Tito cometeu suicídio por causa dos impactos psicológicos das torturas sofridas - afirma que, após o fim da CNV, o trabalho irá continuar por meio dos Comitês Estaduais e Municipais, inclusive em caráter de justiça. "Essas recomendações nos relatórios são muito importante para nós, é muito importante o apoio do Estado nessa questão”.

Apesar das críticas, Lúcia avisa que, mesmo sem o caráter punitivo, não há como negar que o Estado já realizou algumas ações na questão da justiça, como o trabalho da Comissão de Anistia do Ministério Público (MP), que, segundo ela, tem feito um dos melhores trabalhos, hoje, no Brasil, no sentido de justiça de transição. No viés reparatório. "Há, inclusive, um movimento do Ministério Público de São Paulo, que tomou a frente nessas ações, e, hoje, já possui em torno de nove ações de busca e a prisão de torturadores.

 Ainda não há a ordem de prisão, mas já há um pedido em tramitação no Ministério, a pedido da família dos torturados e de um setor de direitos humanos do próprio MP. Então, muito se fala da Dilma Rousseff, mas temos que lembrar que, apesar dela estar na Presidência da República, não é só ela e o grupo político dela que governa o país, temos aí, ainda, as oligarquias, as famílias, as grandes empresas, e isso gera é uma pressão enorme em cima dela. Eu também acho que ela poderia ter avançado um pouco mais, já que temos um grande apoio popular, mas, infelizmente, isso não foi possível e a pressão é muito grande.”
A única decisão já tomada, no aspecto de punição foi o caso do pagamento de uma indenização, por parte pessoal do coronel Brilhante Ustra. "Ele terá que pagar essa indenização do bolso dele, da pessoa dele. Isso é inédito no Brasil”, revela Lúcia.

Além desses grupos citados por ela, é possível destacar ainda outro grande problema para a identificação das pessoas responsáveis pelos crimes de tortura durante a ditadura: muita gente que participou desses crimes ainda está viva. Existe uma pressão muito forte da sociedade civil, que também participou da ditadura, e não quer ver seus nomes atrelados às investigações. "Sabemos que o Congresso Nacional é a grande casa do lobby brasileiro, então, há muito jogo de interesse por trás de tudo. Aqui no Estado do Ceará, por exemplo, o comando de caça aos comunistas tinha empresário financiando, essa gente não quer ser vinculada e esses episódios. Além disso, tem o nosso atraso político, que é uma coisa triste, você fala das questões e é taxado de comunista. É uma ignorância, digamos assim. Então, é um processo lento mesmo, vou até repetir os militares, é um processo lento e gradual.”, brinca Lúcia

Os Comitês

Os Comitês Municipais e Estaduais terão uma grande responsabilidade na luta por justiça. Com o fim da CNV, prevista para dezembro de 2014, serão eles os responsáveis por buscar a punição dos autores de crimes contra os direitos humanos. No Ceará, por exemplo, existem dois e há a possibilidade de ser criado mais um.

Dentre as ações realizadas pelos Comitês estão as de educação. "São as ações nas escolas, a gente prioriza bastante, porque sabemos que é nessa faixa etária que existe a maior desinformação a respeito daquele período do país, então a gente joga todas as nossas forças no Ensino Fundamental maior e Ensino Médio, e prioritariamente na rede pública de ensino.”, explica Lucia Alencar.

Ela destaca outras ações realizadas pelos Comitês em conjunto com a CNV, como é o caso dos ‘Sítios de Memória’, que são aqueles espaços onde ocorriam as torturas. Stella Maris, da Comissão de Acesso à Justiça do Comitê de Memória, Verdade e Justiça do Ceará completa, relatando que, em Fortaleza, capital do Ceará, já há uma experiência nisso, que é a Secultfor (Secretaria de Cultura de Fortaleza), onde, na década de 1970, funcionava a Delegacia da Polícia Federal. Lá, há um espaço reservado para o memorial da resistência.

"Tem também o memorial Frei Tito, no Museu do Ceará, que é o primeiro memorial do país a tratar da questão da memória e da verdade da ditadura militar, dentro de um equipamento do Estado. É um espaço onde há uma visitação de cerca de 4 mil jovens por mês, e a partir da imagem do Frei Tito há uma discussão acerca desse assunto.”, explicou a sobrinha do ex-preso político.

Segundo Stella, os trabalhos de conscientização histórica por parte do Comitê não param por aí. "Há, inclusive, um muito interessante, o qual foi realizado pela Comissão de Acesso à Justiça. Ao longo de dois anos, foram gravados depoimentos de ex-presos políticos, relatando como ocorriam as torturas, como eram os locais onde eram realizadas essas torturas, a repressão e a perseguição, esse material foi enviado à CNV, com o objetivo de que, durante este ano, os depoimentos sejam televisionados”.

Cultura

Para lembrar os 50 anos do golpe militar no Brasil, vários filmes que falam sobre o assunto estão sendo transmitidos, tanto em eventos como em canais de televisão.

A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) realizou, entre os dias 17 e 21 de março, o evento "Cinema, Literatura e Memória: o Golpe de 1964 e as ditaduras na América do Sul”. O evento, que também contou com discussões acerca do tema após as exibições de cada filme, teve o objetivo de promover a reflexão sobre a experiência das ditaduras na América do Sul, em particular no Brasil, a partir da análise da produção cinematográfica e literária relacionada ao tema.

O Canal Brasil também relembra a época com uma série de filmes, exibidos entre março e abril. As exibições começaram no último dia 26 de março e vão até 06 de abril, sendo transmitidos 10 filmes ao todo.
Na página de Facebook ‘História, Memória e Cinema - Filmes completos’, também é possível encontrar filmes sobre o assunto. Na fanpage, qualquer pessoa pode dar sua contribuição de filme. Há inclusive uma lista com 50 películas selecionadas para lembrar os 50 anos do golpe militar. Das 50 produções, 43 estão com links para assistir na íntegra pela internet.

Site da Adital

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