O caso da mãe que mantinha os dois filhos, de 4 e 7 anos,
trancados em casa no bairro Coaçu, no Eusébio, ganhou repercussão após a prisão
em flagrante da suspeita na madrugada de ontem. Acusada por testemunhas de
castigar os filhos com um chicote, a notícia causou revolta nas redes sociais.
Contudo, o ocorrido é apenas mais entre muitos que se repetem diariamente no
Estado. De acordo com o Disque 100, foram 4.080 denúncias registradas contra
crianças e adolescentes em 2014, número que representa mais de 11 violações por
dia.
Em uma única denúncia, podem ser identificados mais de um tipo de
violação. Assim, foram 8.359 registros, no período, a maioria por negligência
(3.074), que inclui abandono, negar alimentação, higiene, saúde e amparo, entre
outras situações. Os outros casos mais comuns foram violência psicológica
(2.097), física (1.933) e sexual (894). Na ocorrência de ontem, a mãe foi
indiciada por maus-tratos, abandono de incapaz e lesão corporal.
Apesar do dado alarmante, as denúncias tiveram uma redução de
33,21% em relação a 2013, que teve 6.109 registros. Entre 2012 e 2013, também
houve uma diminuição de 11,71%. O local mais recorrente das violações é a casa
da vítima (2.231), seguido pela residência do suspeito (971).
A exemplo caso de ontem, chama a atenção que a mãe das crianças e
adolescentes esteja envolvida em quase metade das violações, com 4.012
registros no Ceará. Na sequência, os pais são o segundo grupo mais denunciado
(1.773). A faixa etária da maioria dos agressores está entre os 25 e 30 anos
(1.193). A situação é proporcionalmente semelhante em todo o País.
As crianças resgatadas pela Polícia Militar foram encaminhadas
para o Conselho Tutelar do Eusébio e entregues a familiares ainda na manhã de
ontem. "As tias e a avó receberam os garotos e assinaram um termo se
responsabilizando por elas", disse a conselheira Anastácia Vieira. De
acordo com ela, o menino e a menina estavam fisicamente bem, sem hematomas.
Os danos para os jovens, entretanto, são psicológicos. "Eles
ficavam trancados em casa, enquanto a mãe ia se divertir. Agora, eles vão ser
acompanhados por psicológicos do Creas (Centro de Referência Especializado da
Assistência Social)", informou a conselheira. Ela afirmou, ainda, que a
família das crianças já estava empenhada em ficar com elas. "Não cuidavam
porque a mãe não deixava", diz.
Abandono
Segundo Capitão Giorgio Gonçalves, da Polícia Militar, as crianças
foram encontradas num "estado deplorável" de fome e abandono. Ao
chegar à casa onde viviam, os policiais flagraram o menino brincando com o
chicote que, de acordo com o relato de testemunhas à PM, a mãe utilizava para
espancar os filhos, inclusive, quando eles diziam estar com fome. Os irmãos,
entretanto, disseram à conselheira tutelar que não sofriam agressões físicas da
mãe. A acusada foi levada à Delegacia de Capturas (Decap).
O Disque Direitos Humanos, conhecido como Disque 100, é um serviço
mantido pela Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República
(SDH/PR). Criado em 2011, funciona 24 horas por dia, sete dias por semana. As
ligações podem ser feitas a partir de telefone fixo ou celular, de qualquer
estado do País e o anonimato é garantido. As denúncias recebidas são
encaminhadas às autoridades locais.
Ivana Timbó, titular da Delegacia de Combate à Exploração da Criança
e do Adolescente (Dceca), comenta que a questão é a forte temática do órgão.
"Recebemos muitas denúncias de crianças e adolescentes que são maltratados
pela mãe, pelo pai ou negligenciadas pelo padrasto ou madrasta. Geralmente, a
violência acontece dentro de casa, praticada pela própria família".
A titular da Dceca acrescenta que crimes contra a dignidade sexual
e os praticados quando a criança e o adolescente estão sob poder familiar, a
exemplo de maus-tratos e abandono de incapaz, são os mais recorrentes. De
acordo com dados da Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social (SSPDS),
1.267 crimes sexuais contra crianças e adolescentes foram registrados, no ano
passado, no Ceará - uma média de mais de três crimes por dia.
Com 996 casos, estupro de estupro de vulnerável lidera o ranking
(78,6%), seguido de estupro (18,7%) e exploração sexual (2,6%). Já os crimes de
periclitação - que englobam abandono de incapaz, abandono de recém-nascido,
omissão de socorros, maus tratos, perigo de contágio de doença venérea, perigo
de contágio de moléstia grave e o perigo para a vida ou saúde do outro - foram,
ao todo, 250 no ano passado. Ontem, mais um caso de violência foi registrado na
Capital. O corpo de um menino de 12 anos foi encontrado em um matagal na Rua Conselheiro
Araújo Lima, no bairro Henrique Jorge. Para a Polícia Militar, o adolescente
foi morto a pauladas e pedradas. Porém, ainda não se sabe o que teria motivado
o crime.
Funcionamento
Apesar dos altos índices, existe apenas uma Dceca no Estado. Para
agravar a situação, a unidade funciona somente de segunda a sexta-feira, de 8h
às 18h, quando maior parte dos crimes ocorrem à noite e nos fins de semana.
Apesar de reconhecer que a quantidade é insuficiente, a titular da Dceca
enfatiza a luta e diz que trabalha diuturnamente para tentar dar conta da
demanda. Na sexta-feira à noite e aos sábados e domingos, as ocorrências da
Dceca são atendidas na Delegacia da Mulher.
Em nota, a Polícia Civil esclarece que existe um projeto em
desenvolvimento para ampliar os trabalhos da Dceca. "Com o ingresso de
novos servidores, através do concurso público em andamento, será possível
aumentar os plantões da especializada em conjunto com a Delegacia da Criança e
do Adolescente", frisa. O órgão destaca que qualquer delegacia plantonista
pode receber ocorrências pertinentes à especializada, transferindo-as, em
seguida.
Mais informações
Para denunciar:
Disque 100
Dceca
3101.2044