sábado, 1 de novembro de 2008

ARTIGO: Aurora, perspectiva cultural de um novo tempo

Tradicionalmente o município de Aurora tem-se notabilizado no
cenário artístico do Ceará, do Nordeste e por que não dizer do Brasil, como um verdadeiro celeiro que mantêm guardada uma das mais autênticas riquezas culturais do interior caririense. Com uma vertente por demais variada, indo da literatura à música, da escultura às artes plásticas, do artesanato à culinária, assim como do repentismo poético ao reisado e aos penitentes da Ordem Santa Cruz. Todos esses valorem compõem o verdadeiro caleidoscópio das preciosidades sócio-culturais desse belo município localizado nos grotões do Cariri cearense. No entanto, o abandono em que se encontram relegadas antigas tradições que no passado fizeram à alegria e a diversão de gerações inteiras tais como: a dança do coco, o reisado, o bumba-meu-boi, o maneiro-pau, as pastorinhas, o forró de pé de serra, o xaxado, a literatura de cordel, o Casemiro coco, dentre outras que se encontram hoje quase que completamente esquecidas. De tal maneira, não constitui nenhum exagero afirmar que parte considerável das manifestações da cultura popular de Aurora ou já desapareceu ou encontra-se num acelerado processo de extinção, rumo ao esquecimento total. Uma vez que aqueles que eram possuidores deste conhecimento oral, já tenham quase todos falecidos.

O mesmo acontece com o seu patrimônio arquitetônico de onde se destacam o Casarão do Cel. Xavier de 1831, a antiga residência da brava matriarca Marica Macedo, o prédio da Estação Ferroviária de 1920, incluindo a do distrito de Ingazeiras, juntamente com as residências do Agente da Reffsa ambas construídas no mais apurado em estilo neoclássico. Todo este patrimônio precisa ser recuperado/tombado(enquanto há tempo).
Um trabalho rigoroso com esta perspectiva preservacionista pode inclusive gerar divisas não apenas no sentido da preservação da memória histórica, mas principalmente no aspecto do turismo local que também precisa ser iniciado. Há, decerto, uma possibilidade efetiva de um desenvolvimento cultural sustentável. Não importa se estamos apenas começando, é preciso que tenhamos uma visão de futuro para tudo... Por conseguinte, com a implementação de uma política voltada para este setor é possível que Aurora passe a ocupar de vez um lugar de destaque e que tanto merece no cenário regional do Cariri e quiçá no Ceará. Já que potencial para isso possui de sobra...

O fenômeno relacionado à figura da Mártir Francisca, conhecida no além-fronteira como "A santa Popular de Aurora" constitui um outro aspecto fundamental para a projeção de Aurora e o desenvolvimento do chamado turismo religioso no contexto regional. Mesmo sem nenhum trabalho voltado para o setor(até agora 29/10/08) por parte do poder público, a história da mártir correu o mundo, ao ponto de serem muitas as caravanas de curiosos, devotos e fiéis que vêm todos os anos a Aurora para visitar a capela da 'Santa'. O primeiro passo seria dotar o local de visitação de uma infra-estrutura mínima necessária, proporcionando mais conforto, comodidade e bem-estar aos visitantes. O turismo religioso é outro item propulsor de desenvolvimento que vem sendo trabalhado em todo o mundo. Creio que em Aurora não poderia ser diferente.

Por outro lado, temos ainda cerca de 42 km do rio Salgado(o maior rio da região) cortando Aurora de uma ponta a outra. Com a viabilidade do projeto de Transposição do São Francisco para o Nordeste e, que usará o percurso do Salgado como calha natural, ajudará em muito a execução de um possível programa voltado para o turismo ecológico em várias partes do rio, notadamente onde os atrativos naturais são preponderantes. Para citar apenas alguns dos muitos atrativos naturais do manancial salgadiano, basta lembrar a aprazível vista da ponte; os mergulhos nas barragens; o banho e o panorama ecológico proporcionado pelo Poço-do-Meio, o insólito sítio arqueológico da Massalina(sítio Volta), a promoção de pescaria esportiva e controlada, etc. Tudo isso, facilitaria, inclusive o despertar para a necessidade de uma efetiva consciência ecológica atrelada a uma visão mais responsável no tocante à preservação dos recursos naturais do Salgado e por extensão, de todo o bioma aurorense por parte da população. Também é digno, tanto de preservação, quanto de aproveitamento turístico; a enigmática necrópole conhecida sob a denominação de Cemitério da Bailarina situada no sítio Carro-quebrado na região de Antas. Resquícios de sepultamentos clandestinos que remontam o século XVII.

Um município com o potencial cultural de Aurora não pode se dá ao luxo de prescindir de um centro cultural, de um museu, de oficinas de artes e ofícios, de um núcleo de exposição permanente, de uma central de artesanato, de uma biblioteca que seja modelo e referência para o Cariri, enfim de uma política de cultura realmente "agressiva" que possa mostrar aos próprios aurorenses e ao Brasil o que o município tem de melhor nesta área. É inconcebível que tenhamos ainda pessoas, sobretudo jovens que sequer já ouviram falar em Hermenegildo de Sá Cavalcante, Jaime de Alencar Araripe, Nêgo Simplício, Serra Azul, Marica Macedo, Padre Francisco França, Padre Luna, Amarílio Gonçalves e tantas outras figuras importantes desta terra. Todavia, conhecem de cor e com riquezas de detalhes: Madona, Xuxa, Michael Jackson, Tiririca, Bola de Fogo, Ronaldinho Gaúcho e por aí vai... Convenhamos, não podemos permanecer impassível perante esta inversão de valores cada dia mais crescente. Antes de se estudar o rio Nilo, Tigre e Amazonas, por exemplo; é imperioso conhecer o rio Salgado, o Jaguaribe, o riacho do Jenipapeiro, dos Porcos, o açude Cachoeira, o Orós, o Castanhão, a Massalina, o boqueirão, o olho d'água de Vinô, etc... de modo que o universal possa começar efetivamente, por nosso quintal.
Esta constatação também está umbilicalmente atrelada a forma como temos tratados historicamente as nossas riquezas culturais(tradição, o folclore, os saberes do senso-comum) e, por conseqüência o tratamento que se tem oferecido aos nossos autênticos valores da terra(os artistas e artesãos). A própria escola( no seu atual modelo engessador de novas idéias) e, sobretudo a sua metodologia estanque tem ajudado no atual emaranhado destas contradições. Além de todo o "lixo" midiático que tem produzido na nossa gente um verdadeiro "estupro cultural" ao subestimar a sua capacidade de raciocinar livremente sem a imposição do "emburrecimento" programado. Mas é verdade, a TV não é apenas causa, porém conseqüência também...

No entanto, digamos que uma cultura de verdade não se cria. Vive-se na medida em que a preservamos. Ao passo que a cultura é a própria identidade de um povo, sem ela, não se é ninguém... Assim como um povo sem história nunca pode sequer se imaginar no tempo futuro. É preciso conhecer para viver uma cultura de verdade, sob pena de não sermos ninguém. Ou quem sabe, apenas mais um, perdido para sempre numa massa amorfa que não pensa e não vive por si mesma. Chega, de se viver e consumir gregariamente o que não é nosso.

Por isso acreditamos que Aurora daqui para frente resistirá à tentação, construindo a sua própria história. Ou pelo menos se esforçará para isso. Optando por construir um novo tempo cultural para sua gente, com o mesmo entusiasmo de quem constrói uma aventura para uma vida inteira.



José Cícero
Professor, pesquisador, poeta e escritor.
Editor da Revista Aurora
www.blogdaaurorajc.blogspot.com

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