sábado, 24 de dezembro de 2011

O campo do Cariri



Por Emerson Monteiro

Nas proximidades da casa de meu pai, no bairro Pinto Madeira, em Crato, onde passei minha infância, havia um estádio de futebol, o campo do Cariri, todo de terra batida, palco de treinos, no decorrer da semana, e de jogos memoráveis, nos domingos à tarde, fins dos anos 50, princípios dos anos 60.

Um quarteirão ao lado das atuais instalações da Associação Atlética Banco do Brasil, hoje quase todo cheio de prédios, à época, era cercado de avelós e placas de flandres, em forma de muro. Recebia considerável público nos dias de jogo, quermesses vivas dos clubes e suas animadas torcidas.

Início das tardes domingueiras e as pessoas cedo começavam o movimento na direção do estádio. Aproximavam-se os roupeiros dos times, as vendedoras e vendedores e seus tabuleiros de macaxeira cozida, milho verde, refrigerante, suco, tapioca, pirulito, quebra-queixo, cocada, picolé, que iam enchendo as laterais do campo.

Aos atletas, antes da partida principal, reservavam-se lugares à sombra das poucas árvores, sentados no chão de barro vermelho, cercados pelos garotos a lhe escutar as prosas de variados temas. Política, violência, sexo. Amor, pornografia, farras, tragédias, chistes, anedotas.

Pode ser que houvesse outros, mas lembro apenas de quatro times daquele tempo: o Esporte, nas cores do Flamengo; o Cariri, cores do Vasco; o Crato Atlético, do América; e Magarefe, do Botafogo.

As cabines de rádio situadas sobre precários cavaletes, erguidos pouco acima do público, abrigavam locutores altivos a relatar os lances. Às vezes, viam-se na condição de aguardar que a poeira sentasse, nos sururus de pequena área, para assinalar os gols e os lances mais combativos das horas tardias, já escuras, do princípio de noite.

Alguns nomes dos valorosos ídolos do “balão de couro” cratense, no dizer dos narradores, ainda resistem depositados nos arquivos da memória de quem os conheceu de perto: Zé de Buzu, Leiteiro, Anduiá, Ivan, Charuto, Zé Airton, Sibito, Natan, Raimundo Rafael, Moacir (depois prefeito do Município), Tentém, Panqüela, Zé Augusto, Cafinfim, Fruta-Pão, Netinho, Pirró, Bode (depois vereador, em três legislaturas), Sílvio, Néo Moreira, Dario, Zé Maria, Saia, Bacurau, Hélio, Antenor, Chico Curto, Almério, Coco, Gledston, Tonico, Zé de Barba, Sinhô, Tavares, Anum, Pangaré, Doce de Leite, Pescorado, Binda, Enoque, Anjo, Sonha, Almir Carvalho, Alderico Damasceno (estes, dois técnicos), Raimundo Nascimento e Geraldo Preá (dirigentes), Kleber Callou (presidente da Liga) e outros de igual importância.

Por vezes, nos jogos ocorriam lances disputados com maior agressividade, contudo não me lembro de qualquer cena de desforço ou das registradas no futebol dagora, de extremo vigor físico, deslealdade e mutilação, diferentes das pugnas mostradas na televisão, que parecem batalhas campais, antevésperas de sacrifícios fatalistas. Observava-se algo de fraternal naquilo tudo. Semelhante a diversão, não a comércio de ossos, carnes e músculos. Algo de humano, festivo. Folguedos de paixão. Os aspectos lúdicos agradáveis persistem das cenas, registros acesos nas trilhas dos bons sentimentos.

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